sexta-feira, 11 de maio de 2018

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Nas suas Memórias, escreve Rómulo de Carvalho que, apesar da morte de Alain Oulman, assinou a autorização para que o poema Ai Silvina, Ai Silvininha pudesse ser musicado por Alain Oulman, e comentou:

«… mas nada mais soube a tal respeito».

Tanto quanto é possível saber, nunca apareceu uma gravação de Amália Rodrigues a cantar, com música de Alain Oulman, o poema de António Gedeão.

Mas é provável que exista.

Não nos podemos surpreender porque volta e meia deoparamos com antigas gravações de Amália feitas para a Valentim de Carvalho e saídas de um qualquer baú sem fundo, como o de Fernando Pessoa.

Mas a música de Alian Oulman existe mesmo.

Em Abril de 2013, Camané, num concerto realizado no Centro Cultural de Belém, em que participaram Mário Laginha, Carlos Bica e os Dead Combo, cantou Ai Silvina, Ai Silvininha com música de Alain Oulman.

Percorrendo o You Tube, não consegui encontrar a interpretação do Camané.

Ela anda por lá, mas lê-se que, de momento, não é possível processar o pedido.

De qualquer forma, fica o poema de António Gedeão, tirado de Poesias Completas:

Lindos olhos tem Silvina,
lindas mãos Silvina tem,
e a cintura de Silvina
é fina como o azevém.
Em Silvina tudo exala
um cheiro de coisa fina,
mas o que a nada se iguala
é a fala de Silvina.

A doce voz de Silvina
é como um colchão de penas,
é um fio de glicerina,
um vapor de águas serenas.

― Porque não cantas, Silvina?
Se a tua voz é tão doce
talvez cantada que fosse
mais doce que a glicerina.
Porque não cantas, Silvina?

― Não me apetece cantar
e muito menos para ti.
Eu sou nova, tu és velho,
já não és homem para mim.

― Não me tentes, Silvininha,
que eu já não te olho a direito.
Sou como um ladrão escondido
na azinhaga do teu peito.

― A azinhaga do meu peito
corre entre duas colinas.
O ladrão do meu amor
tem pé leve e pernas finas.

― Canta, canta, Silvininha,
uma canção só para mim.
Dar-te-ei um lençol de estrelas,
uma enxerga de alecrim.

― Deixa o teu corpo estendido
à terra que o há-de comer.
A tua cama é de pinho,
teus lençóis de entristecer.


― Canta, canta, Silvininha,
como se fosse para mim.
Dar-te-ei um escorpião de oiro
com um aguilhão de marfim.

― Não quero o teu escorpião,
nem de ouro nem de prata.
Quero o meu amor trigueiro
que é firme e não se desata.


― Pois não cantes, Silvininha,
se é essa a tua vontade.
Canto eu, mesmo assim velho,
que o cantar não tem idade.

Hás-de tu ser morta e fria,
cem anos se passarão,
já de ti ninguém se lembra
nem de quem te pôs a mão.

Mas sempre há-de haver quem cante
os versos desta canção:
Ai Silvina, ai Silvininha,
Amor do meu coração.

Legenda: Camané

1 comentário:

cfd disse...

"Ai Silvina, Silvininha", por outro lado, é o regresso de Camané ao baú mágico que lhe foi depositado nas mãos por Nicolas Oulman, filho do homem que revolucionou o percurso de Amália, Alain Oulman. Depois de ter retirado dessa gaveta forrada a ouro "Sei de Um Rio", Camané não resiste a mais um belo acréscimo à obra fadista de Oulman, sendo que não se esgotam aqui os temas por desvirginar. Tanto assim que Camané não esconde a vontade de juntar todo este manancial de Oulman num álbum inteiramente dedicado ao compositor.

Gonçalo Frota / Público, 26/04/2013

A propósito da compilação "O Melhor 1995-2013" de Camané

PS: A editora de Amália tem muitos temas inéditos por lançar pode ser mais um.