terça-feira, 2 de dezembro de 2025

POEMA

Fundiu-se o olhar do poeta em lágrimas salgadas

e o poeta não quis cantar o que os seus olhos viram.

É que o poeta só cantava

para as meninas dos balcões floridos

de cactos e de cravos,

para aquelas

que sonham com estrelas

e príncipes de lenda.

– E preferiu cegar.

Fechar os olhos ao vaivém da rua

e continuar morando em sua Torre de Marfim.

Ah! Poeta inútil!

Enrouqueceu a cantar as líricas inúteis

aos cravos das janelas

das meninas fúteis

e ninguém mais se lembrará de ti.

Mas se cantares a rua, a fome, o sofrimento,

se abrires os olhos sobre o nosso mundo,

se conseguires que toda a gente o veja

e o sinta, e sofra, só de ver sofrer,

ninguém se lembrará de ti, poeta,

mas terás feito a tua luta,

e, nela,

justificado uma razão de ser.

 

Álvaro Feijó em Os Poemas de Álvaro Feijó

Sem comentários: