quinta-feira, 20 de agosto de 2015

POSTAIS SEM SELO


O meu avô João morreu no dia do Portugal-Espanha dos 4-1, no Jamor, o desafio de futebol que eu mais queria ver e que menos falta me fez. Solavanco brutal, já em plena adolescência, deu-me noção aguda, intransmissível, do primeiro grande sentimento de perda. E nem consigo ao de leve transmiti-lo aqui. Emito apenas um eco, um eco bem vago, da voz dorida da memória. É complicada a acção do tempo no corpo que habitamos. De qualquer modo, transporto ainda nos olhos queimados pelo tabaco excessivo, uma loja tranquila, um lugar de histórias, de amor e de jornais. Legarei pouco aos outros e, nesse quase nada, ouço as palavras que recebi do meu avô, que já nem eram dele, eram do futuro. Um grande futuro teimoso.

Dinis Machado em A Liberdade do Drible

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