quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

OLHAR AS CAPAS


A Conquista da Felicidade

Bertrand Russell
Tradução: José António Malheiro
Guimarães Editores, Lisboa, Janeiro de 1957

Todos os grandes livros contêm passagens aborrecidas e em todas as grandes vidas houve períodos pouco interessantes. Imaginai um moderno editor americano a quem lhe levassem o Velho Testamento como um manuscrito novo para ser publicado pela primeira vez. Não é difícil adivinhar quais seriam os seus comentários a respeito, por exemplo, das genealogias: «Meu caro senhor, diria, a este capítulo falta animação; não pode esperar que os leitores se interessem por uma simples lista de nomes próprios de pessoas sobre as quais lhes diz tão pouco. Reconheço que começou a sua história num belo estilo e no princípio eu estava muito favoravelmente impressionado, mas verifiquei que tem um desejo excessivo de dizer tudo. Escolha as passagens mais claras e importantes, elimine as supérfluas e volte a trazer-me o manuscrito quando tiver reduzido a uma extensão razoável.» Assim falaria um editor moderno que conhecesse o medo que os leitores têm de se aborrecer. Diria o mesmo a respeito das obras clássicas de Confúcio, do Alcorão, do Capital de Marx e de todos os outros livros consagrados que provaram ser best-sellers. E isto não se aplica somente a esses livros. Todos os melhores romances têm passagens aborrecidas. Um romance brilhante da primeira até à última página é quase certo que não será um bom livro. 

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