Os Meus Amigos
Manuel Costa e
Silva
Apresentação:
José Cardoso Pires
Capa: Fernando
Felgueiras
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Novembro de 1983
Alguém que passeia a infância – pelo menos é assim que
eu o penso quando lembro aquele não sei quê de desamparo e de teimosia solitária
que há nos gostos dele e no andar, aquela prevalência dos olhos sobre o falar,
coisas que (bem sabemos) são ilusões da sábia infância que nós maltratámos
quando foi nossa e que depois mentimos quando dizemos que no princípio era o
verbo.
ON Costa e Silva, não: guardou-as. O Costa e Silva
sabe até demais que no princípio é a luz e só muito mais tarde é que vem o
verbo. Que o verbo é que nos mata, nunca o olhar, e daí aquele silêncio
discreto, quase à margem, que é a sua maneira de estar presente e conversar com
os amigos. Só com o ver, digamos. De maneira que antes que a pessoa tenha tempo
de olhar o passarinho já ele captou nos contrastes da lama mais do corpo e lhe
registou a espécie de luz que há nela.
Talvez por sortilégio destes é que o ofício de olhar é
mais que todos misterioso, os pintores que o digam. E os fotógrafos, que é este
o caso. E os solitários do deserto. As aves mudas. Um ofício predestinado, todo
em iluminações súbitas e sempre a negar a aparência e a ver para longe e para
lá. Será?
Como fotógrafo de cinema, o Costa e Silva aprendeu
essa arte, a muitas latitudes e a muitas declinações: suécias, alemanhas,
américas, portugais de cenário e de rua, alentejos. Sabe-a por inteiro e com
todas as mágicas da lanterna universal, ou seja, luz em cima de luz, cor recobrindo
a cor, o artifício a sobrepor-se ao real para transmitir com mais verdade o
mundo que se nos oferece. Mas fora do cinema ele inverte o jogo: aí a solidão
total; tudo se passa numa intimidade estricta consigo mesmo e em despojado
rigor, sem adjectvos.
Descobriremos depois que os sujeitos, as primeiras
pessoas dessas fotografias, há muito que estavam dentro dele e que não fez mais
que as ajustar às figuras reais que fotografou. Como que rebatendo-as de dentro
para fora, perdoe-se-me a imagem. Só assim se percebe que nos Retratos dos
Amigos haja tanta luz pessoal dele próprio, Costa e Silva, tantos dos seus
silêncios e dos seus sinais dispersos. A sua amizade repartida, afinal.
Amizade: uma busca de perfeição no encontro com os
outros, o nossos reflexo sobre a harmonia das contradições.
(Apresentação de
Os Meus Amigos por José Cardoso Pires)
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