Aqui ainda é O Toni
dos Bifes.
Um dos
restaurantes mais antigos de Lisboa, na Rua Praia da Vitória, junto ao
Saldanha.
Carlos de
Oliveira morava no prédio ao lado de O Toni dos Bifes.
Almoçava por lá.
Depois o Augusto Abelaira ia ter com ele, ou almoçava também, e depois iam para
o Monte Carlo onde continuavam a aparecer mais escritores, pintores,
cineastas, artistas de teatro e cinema.
Quando ainda
havia cafés.
Os cafés eram
locais privilegiados para as tertúlias.
Locais de convívio e de escrita.
Augusto Abelaira
terá sido o escritor que mas utilizou os cafés para a escrita dos seus
romances.
Era vê-lo
mergulhado na escrita/leitura de papeis, cachimbo em riste – podia-se fumar nos
cafés, pois então!
Na Cister,
na Alsaciana, na Coimbra, que ainda existem.
A primeira fase consiste em escrever, escrever, porque
as fases seguintes, de reescrita e montagem, têm de ser em casa. Seria preciso
andar com uma mala e espalhar muitos papéis.
Mais ainda:
Como eu escrevo nos cafés, o que eu precisava era que
houvesse cafés para, durante a manhã, estar a escrever. Como os cafés vão
desaparecendo, a possibilidade de escrever é cada vez menor. Quando todos os
cafés tiverem desaparecido de Lisboa eu encerro a escrita. Deixo de escrever,
isto é, vou morrer, quando fechar o último café em Lisboa onde possa escrever.
Jorge Silva Melo
foi um assíduo frequentador dos cafés de Lisboa.
O seu livro de
memórias No Século Passado está cheio de referências:
E era nos cafés, abertos desde manhã cedo e até de
madrugada, abertos aos feriados e aos domingos que tudo isso se ia passando.
Também os Dias
Comuns do José Gomes Ferreira estão cheios de referências dos cafés que
frequentava com os escritores seus amigos e camaradas, cafés que iam fechando –
naquele tempo com destino certo de dependências bancárias - e obrigava a
arranjar outro refúgio.
Tal como no 4º
volume desses Dias Comuns, José Gomes Ferreira conta:
6 de Janeiro de 1968
A Bel comunicou-me este triste recado do Carlos de
Oliveira: o café Bocage, nosso ninho de longos anos Avenida da República vai
fechar amanhã.
28 de Maio de 1968
Fechou o Martinho.
Que se passa em Lisboa, onde já se respira tão pouco?
O Abelaira telefonou-me, alarmado, a dar-me a notícia fantástica.
O Abelaira telefonou-me, alarmado, a dar-me a notícia fantástica.
- Mas será verdade’ – PERGUNTEI, INCRÉDULO.
- É… - Disse-me o Magalhães Godinho… A notícia vem no
jornal da tarde.
Silêncio inquieto diante desta mutilação do fumo do
passado.
- E agora?
- Talvez o Paladium nos restauradores.
- Pois seja o Paladium!
E nisto de
cafés, no fechar da página, impossível não ir buscar o João César Monteiro em Uma Semana Noutra Cidade:
São 10 da noite. Estou a escrever no Monte Carlo, onde
só há homens. Precisava de apanhar o Fernando para lhe cravar umas aguardentes.
É meu desejo estar completamente grosso por volta da meia-noite e com o
espírito propenso à obscenidade. Se arranjasse 100 paus ia às putas. Deve ser
fabuloso ir às putas na noite de Natal. Duvido é que haja alguém que esteja
para me aturar a bebedeira por 100 paus.
"Não estamos em Itália, não há grappa alla ruta, não há comoções nocturnas da Zé, não há nada. Nem sequer o direito ao vómito. Não há nada, mas ainda há vida. Ainda estrebucho, minha senhora. Ainda digo merda e embarco no tudo ou nada do amor. Ainda me jogo inteiro no real e no possível, no confronto entre o que sou e o que podia ser. Ainda simpatizo (ao longe é certo) com as lutas históricas do proletariado de todo o Mundo.
"Não estamos em Itália, não há grappa alla ruta, não há comoções nocturnas da Zé, não há nada. Nem sequer o direito ao vómito. Não há nada, mas ainda há vida. Ainda estrebucho, minha senhora. Ainda digo merda e embarco no tudo ou nada do amor. Ainda me jogo inteiro no real e no possível, no confronto entre o que sou e o que podia ser. Ainda simpatizo (ao longe é certo) com as lutas históricas do proletariado de todo o Mundo.
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