Bolor
Augisto Abelaira
Livraria
Bertrand, Lisboa, s/d
Olho para o papel branco (afinal um tudo-nada
pardacento) sem a angústia de que falava Gauguin (ou será Van Gogh?) ao ver-se
frente da tela, mas com apreensão, apesar de tudo, Que vou eu escrever – eu, a
quem nada neste mundo obriga a escrever? Eu, antecipadamente sabedor da
inutilidade das linhas que neste momento ainda não redigi, dentro de alguns
minutos (de alguns anos) finalmente redigidas?
Não sei: folheio ao acaso a página cento e quinze do
meu caderno, ainda branca, ainda parda, e pergunto-me: daqui a dois a três, a
quatro meses, quando a alcançar – se a alcançar -, terei escrito uns milhares de
palavras. Que palavras
E fico perturbado, muito mais perturbado por essa
página do que por esta, já em parte azulada e vazia de surpresas. Como saber se
nela, hoje e durante um ou dois meses ainda branca, branca e situada no futuro,
embora um futuro espacial, eu não contarei (não terei contado) coisas de cortar
o coração? Sobre mim. Ou sobre o mundo, uma guerra, a vitória completa do
fascismo, por exemplo.
Sem comentários:
Enviar um comentário