quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

NOS CEM ANOS DE VERGÍLIO FERREIRA

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Nunca me puxou muito o pé para Vergílio Ferreira, nada me levou a passar aquela linha que conduz aos escritores do meu panteão privado.

O primeiro livro que li foi Manhã Submersa, adaptado ao cinema por Lauro António, e, tanto o livro como o filme, são interessantes.

Deixei a meio três livros; Nítido Nulo, Rápida a SombraCântico Final.

Quanto a Para Sempre há quem considere o seu melhor romance e há quem não hesite em rotulá-lo de obra-prima.

Não desgostei.

Não lembro bem, mas o desencanto com Vergílio Ferreira, o ter deixado livros a meio, nem outros sequer ter começado, terá a ver com a má ideia que tive em comprar – e ler  os dois primeiros volumes de Conta-Corrente.

Ainda passei os olhos pelo 3º e 4º volumes mas não fui mais além.

Azar meu e, possivelmente, do Vergílio Ferreira.

Fiquei com pouca, ou nenhuma, vontade de voltar a Vergílio Ferreira.

Comprei, recentemente, Vagão J, quando o Público publicou alguns livros proibidos pela ditadura e irei lê-lo, porque é tempo em que  Vergílio Ferreira percorreu caminhos do neo-realismo – já dentro do neo-realismo aspirava a coisas diferentes.

Mário Ventura, que com Vergílio Ferreira conversou, pergunta-lhe seConta-Corrente não é um ajuste de contas, ao mesmo tempo que lhe diz que o livro causou imensas reacções  de desagrado, porventura até em amigos seus.

O autor responde que as reacções eram esperadas e não me preocupam muito e supõe mesmo que a pessoa mais maltratada acaba por ser ele.

As pessoas leram-me muito mais este Diário do que me leram os romances, ainda da conversa com Mário Ventura.

Logo a abrir o seu Conta-Corrente, começou a escrevê-lo, poucos dias depois de ter feito 53 anos, confessa:

A verdade é que, quando me encontro bem pela frente reconheço-me intragável. Mas enfim as virtudes são também desgostantes. De resto, sou pouco abonado. Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo raízes viciosas: tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por vaidade e coisas assim.

Os volumes de Conta-Corrente são uma inutilidade.

Como Vergílio Ferreira é incapaz de escrever mal, resulta que estes volumes mais não são do que um desfiar de pequenas vinganças, má-língua, amargos de boca e de alma, bocados soltos que permitem concluir que o autor sempre teve a mania da perseguição.

A páginas 233 do 3º volume, recorda uma conversa ao pé da orelha com Óscar Lopes:

Que mania que V. tem da perseguição.

No fundo, sempre teve a obsessão de que todos diziam mal dele, o subalternizavam, ou a mágoa oculta de não ser nada para ninguém porque ninguém o referia.

É essa mágoa que a páginas 252 desse mesmo 3º volume, a 16 de Fevereiro de 1981, o leva a escrever:

Não, não. Agora é a sério. Vou decidir de uma vez para sempre que sou um grande escritor. Estar à espera de que mo digam é uma estupidez. Como é que eles mo podem dizer, se não têm grandeza que o entenda? Vou decidir de uma vez para sempre por mim.

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