sábado, 30 de janeiro de 2016

QUOTIDIANOS


Os homens aos quarenta
aprendem a fechar muito devagar
as portas dos quartos a que
não regressam.

Descansam no patamar das escadas

e sentem que elas se movem
como o convés de um navio,
embora quase não sopre um vento.

Vislumbram

ao fundo de um espelho
o rosto do rapaz que em segredo tenta
fazer a gravata do pai.

E o rosto desse pai

ainda quente com o mistério da espuma.
Agora eles mesmos já são mais pais do que
filhos.
Alguma coisa os preenche, algo

que se parece com o som dos grilos

ao crepúsculo, imenso,
enchendo os bosques que ficam aos pés da 
ladeira
e detrás das casas hipotecadas.

Pedro Mexia, poema do livro Uma Vez Que Tudo Se Perdeu, colocado por Nicolau Santos na sua coluna no suplemento de Economia do Expresso, 28 de Novembro de 2015.

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