terça-feira, 26 de janeiro de 2016

RETRATO DE RAPARIGA


Muito hirta  de pé  no patamar do sono
Contornando sem pressa a curva de uma artéria
Por mais ocasional que fosse o nosso encontro
dava-me a entender que estava à minha espera
Com um livro na mão  com um lenço ao pescoço
uma expressão cansada   a palidez inquieta
de quem andasse ao vento ou trouxesse no rosto
em vez de pó de arroz um pó de biblioteca
surgia de repente onde sempre estivera
em Zurique  em Paris  em Liège  em Colónia
Por único endereço uma carreira aérea
Mas não sei se era louca  ou apenas mitómana
Onde quer que eu a visse uma coisa era certa
Numa rua  num bar  num museu  numa doca
dava-me a entender que estava à minha espera
dava-me a entender que se chamava Europa

David Mourão-Ferreira de Do Tempo ao Coração em Obra Poética

Legenda: fotografia de David Solomons

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