sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O OUTRO LADO DAS CAPAS



Mário-Henrique Leiria está bem representado na Biblioteca da Casa, veja-se a etiqueta Mário-Henrique Livros.

Acontece que a editora E-Primatur iniciou, em Maio de 2017, a publicação das Obras Completas de Mário-Henrique Leiria constituída por três volumes.

O terceiro, e último volume, foi publicado em Junho deste ano e nele constam manifestos, textos críticos e afins, bem como cartas e postais.

A obra completa de Mário-Henrique Leiria tem como responsável Tânia Martuscelli, crítica de literatura e de arte, professora da Universidade do Colorado/Boulder nos Estados Unidos.

Desconhecia que houvesse alguém tão especializado na obra de Mário-Henrique Leiria e o quanto isso o divertiria. Tania Martucelli tem a ideia de que conseguiu reunir todos os textos constantes do espólio do autor.e vários outros materiais dispersos.

Mário-Henrique Leiria não se considerava um escritor mas um tipo que escrevia umas coisas quando a veia, aliada a um grande gin-tonic, resolve ser boa companheira.

Depois de 1951 começou a andar de um lado para o outro.

«Teve vários empregos, marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil (não, não era arquitecto, carregava tijolo), etc., pelas terras onde andou: a Europa cristã e ocidental, o Mediterrâneo norte-africano, o Oriente Médio e até, dizem, os países socialistas. Não ia aos Balcãs porque tinha medo, todos lhe diziam que lá os bigodes eram enormes e as bombas estoiravam até no bolso. Um dia teve de passar por lá. Os bigodes eram realmente grandes, mas toda a gente sabia rir. Tirou o casaco e bebeu que se fartou. Em 1958 meteram-se-lhe ideias na cabeça e foi até Inglaterra, para aprender coisas. Não aprendeu e voltou. Entre 1959 e 1961 foi casado e não fez mais nada. Em 1961 foi para a América Latina donde voltou nove anos depois. Por lá conseguiu ser, entre outras actividades menos respeitáveis, planejador de stands para exposições, encenador de teatro e até director literário de uma editora. Fizera progressos»

Quantos papéis, quantos textos, quantos projectos Mário-Henrique Leiria perdeu nestas suas novas-velhas-andanças?

Mas este é o trabalho possível e louve-se a iniciativa.

Claro que o autor já mandou descer mais um gin e está ainda a gargalhar porque ele sempre foi um campeão de perder textos, e textinhos, divertia-se a escrever e a esconder o que escrevia.

Mas repito: Quantos papéis, quantos textos, quantos projectos Mário-Henrique Leiria perdeu por esse mundo fora?

Nova repetição: mas pronto! É o trabalho possível, um trabalho dignificante para a literatura portuguesa e para esse futuro que se não ler o Mário-Henrique não sabe o que perde e tão pouco merce ser futuro.

Acredito que Mário-Henrique Leiria sentirá uma lágrima rebelde aflorar-lhe aos olhos, pedirá mais um gin e agradecerá do fundo do coração.

O 1º Volume reúne Fragmentos da Minha Vida Real, os Contos do Gin-Tonic, os Novos Conto do Gin, Fábulas do Próximo Futuro, Contos Extraídos de Depoimentos Escritos, Contos Inéditos e Dispersos, Casos de Direito Galático, o Mundo Inquietante  de Josela,  a banda desenhada Mário e Isabel, a novela Diapasão , Teatro e Guiões.

O 2º volume é dedicado à poesia e reúne toda a sua obra poética incluindo inéditos e textos nunca antes compilados em livro

Comprei o 1º volume da Obra Completa do Mário-Henrique Leiria na Feira do Livro deste ano e, oportunamente, irei comprar os outros dois volumes. É que há um bom número de textos escritos que não fazem parte das obras publicadas.

No programa de Mário Gin Tónico Volta a Atacar, Mário Viegas escreve:

«Quantos textos inéditos (?), perdidos, semi-publicados (?) não andam por aí??
Onde estão os grandes amigos deste Mário??? É urgente reuni-los num livro. Este espectáculo e este programa aqui estão para o provar e dar uma ajuda!»

Passaram 30 anos sobre estas palavras.

Muito tempo? Tempo demasiado?

Mais vale tarde que nunca, diria a minha avó materna.

A Obra Completa do Mário Gin-Tónico está aí, Mário Viegas.

O quanto gostaria que esta E-Imprinatur, outras editoras, seguissem esta reunião de obras completas de autores que deixaram um espólio que andará por aí  ao abandono, por aí perdido.

Tantos e tantos autores nessas condições e, assim de repente, lembro-me do Eduardo Guerra Carneiro.

A Obra Completa de  Mário-Henrique Leiria foi publicada com o apoio dos leitores através de um funcionamento colectivo.

Em cada volume pode ler-se este avisos:

«De acordo com a legislação autoral em vigor, a E-Imptimatur tentou localizar os herdeiros de  Mário-Henrique Leiria, sem sucesso. Os representantes legais devidamente identificados poderão entrar em contacto com a editora para se elaborar contrato de direitos.»

De uma carta de Mário-Henrique Leiria, Carcavelos 25 de Novembro de 1973, para Isabel, ou Maruska, ou o grande amor da sua vida:

«Quanto ao meu livro (Novos Contos do Gin), já está em primeiras provas. Talvez esteja na rua lá para meados de Dezembro. Achei que tinha historietas demais e tirei um monte delas, não gosto de chatear demais os leitores.
Sabes que o Gaspar Simões botou elogio grosso aos CONTOS DO GIN-TÓNICO na página literária do "Diário de Notícias"? Pois foi: Só tenho coisas que me ralem; só me faltava o Gaspar Simões a dizer bem de mim. Ele há cada coisa!»


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