quinta-feira, 27 de maio de 2021

ANNABEL LEE


Foi há muitos e muitos anos já,

Num reino de ao pé do mar.

Como sabeis todos, vivia lá

Aquela que eu soube amar;

E vivia sem outro pensamento

Que amar-me e eu a adorar.

 

Eu era criança e ela era criança,

Neste reino ao pé do mar;

Mas o nosso amor era mais que amor —

O meu e o dela a amar;

Um amor que os anjos do céu vieram

a ambos nós invejar.

 

E foi esta a razão por que, há muitos anos,

Neste reino ao pé do mar,

Um vento saiu duma nuvem, gelando

A linda que eu soube amar;

E o seu parente fidalgo veio

De longe a me a tirar,

Para a fechar num sepulcro

Neste reino ao pé do mar.

 

E os anjos, menos felizes no céu,

Ainda a nos invejar…

Sim, foi essa a razão (como sabem todos,

Neste reino ao pé do mar)

Que o vento saiu da nuvem de noite

Gelando e matando a que eu soube amar.

 

Mas o nosso amor era mais que o amor

De muitos mais velhos a amar,

De muitos de mais meditar,

E nem os anjos do céu lá em cima,

Nem demónios debaixo do mar

Poderão separar a minha alma da alma

Da linda que eu soube amar.

 

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos

Da linda que eu soube amar;

E as estrelas nos ares só me lembram olhares

Da linda que eu soube amar;

E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado

Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,

No sepulcro ao pé do mar,

Ao pé do murmúrio do mar.

 

Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa

 

Legenda: fotograma do filme Way Down East de D.W. Griffith

Poema e fotograma tirados de  Um Mar de Filmes, Cinemateca Portuguesa 

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