terça-feira, 4 de outubro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS

 

Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constituem os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

 Não gosto de viajar.

Tirarem-me, por curto ou largo tempo, do antro do bicho, como dizia o meu pai, é um caso muito sério.

Quando isso acontece, mal saio a porta fico logo a pensar no prazer do regresso a casa.

O Céline dizia que «as grandes viagens são aquelas que se fizeram através da imaginação» e um qualquer alguém disse que os lugares mais longe são os que ficam dentro de nós. Não os conhecemos nunca.

José Saramago depois do Nobel, tornou-se um viajante infatigável. 

Viajar é perde países, lembrava Fernado Pessoa.

 Há um texto de Saramago, publicado na revista Magazine da TAP  e que respesquei de Saramago: os Seus Nomes.

 «A emoção da viagem, senti-a quando era garoto e apanhava, na estação do Rossio, normalmente sozinho, o comboio que me levava para férias à estação de Mato Miranda, onde estava ou a minha tia Levira, ou quase sempre a minha avó Josefa esperando-me. Isso sim, aquele comboio lento que nunca mais chegava, troca-troca, troca-troca, troca-troca. A expectativa, a noite que se mal dorme porque há uma excitação. E embora aquilo já não tivesse segredos para mim, vivia-o de cada vez com a emoção de quem sabia o que o esperava – chegar à Azinhaga, entrar na casa dos meus avós com o seu chão de barro e tirar os sapatos, que era a primeira coisa que eu fazia. Só voltava a calçá-los quando regressava, já com o pé um pouco maior. Isso sim. O sentido da  viagem, ir andando e descobrindo, só o tive na Azinhaga.»

 A jornalista Ana Sousa Dias perguntou a Saramago se depois de todas as viagens pelo mundo, houve algum sítio onde pudesse ter ficado.

 «Não, não. Como diziam os ingleses, a minha casa é o meu castelo. E a sensação de voltarmos a casa é única, seja esta, seja a casa de Lisboa. É aí que eu quero estar, com as minhas coisas, os meus objectos, os meus quadros, a minha música, as bugigangas que só têm importância e valor para mim.»

Há uma outra viagem de Saramago que ele recorda muito bem. Conta-a a no livro de José Prudêncio Um Céu e Dois Destinos:

«Estou em pleno romance de amor com a Pilar. Aí era quando eu viajava de Lisboa, em autocarro até Rosal de la Frontera, saía de Lisboa às seis horas da manhã e aí havia um outro autocarro que me levava pela Sierra Morena por estadas horríveis – agora está tudo transformado – até Sevilha.Saía de Lisboa às seis da manhã e chegava a Sevilha às três da tarde.

- Eram nove horas. Não tinha carro, não gosta de conduzir?

- Não, nem sei conduzir.

- A não?! Mas por que não?

- Porque não, nunca me interessou.»

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