terça-feira, 25 de outubro de 2022

SUBLINHADO SOBRE UM SARAMAGUIANO SUBLINHADO


Reconheçoque a transcrição que faço da conferência de José Saramago é longa, mas acabei por não resistir. Trata-se de um exercício notável, autêntico jogo de xadrez que, lamentavelmente, nunca aprendi a jogar. Também gostava de tocar guitarra e nada fiz por isso.

Penso que alguém de bom ler alguma vez poderá ficar desiludido com a escrita e capacidades argumentativas de Saramago.

Desconhecia esta conferência como, de certeza quase absoluta, desconheço outros textos e intervenções de José Saramago.

Aqui entendo dizer que o trabalho da Fundação, em determinados aspectos, não se tem debruçado convenientemente com o imenso espolio e ideias que Saramago deixou. De uma delas já falei por aqui mas volto a falar:

José Saramago sempre entendeu que para que se possa conhecer melhor a obra de um escritor, é necessário publicar a correspondência trocada com os seus pares.

Saramago vai mais longe, e na longa conversa que manteve com João Céu e Silva, diz:

Tenho milhares de cartas e costumo dizer que a obra completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se uma selecção das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da recepção – é naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa devemos ter umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e ordenar.

Humberto Werneck que fez uma entrevista a José Saramago, cuja transcrição pode ser lida no Último Caderno de Lanzarote revela que «Saramago escreve pela manhã e no final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas páginas ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas, cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos do mundo.»

No dia 8 de Agosto de 1998, entrada do Último Caderno de Lanzarote, Saramago volta ao assunto das correspondência que manteve com os seus leitores.

«Um dia deixei consignado nestes Cadernos a única ideia em tudo original que até aí tinha produzido (e suspeito que desde então não consegui espremer da cabeça outra de quilate semelhante), aquela luminosíssima ocorrência de que na publicação da obra completa de um escritor deveria haver um volume ou mais com as cartas dos leitores. Fala-se, discute-se, discorre-se sobre as teorias da receção (empurrando portas abertas?), e parece que ninguém repara no inesgotável campo de trabalho que oferecem as caretas dos leitores.»

Decorreu o suficiente tempo sobre a morte de Saramago  para que a Fundação já tivesse iniciado o trabalho de divulgação sobre as cartas de diversa gente que Saramago recebeu e a que deu resposta.

Compreendo e aceito a existência de T-shirts, sacos para livros, canecas, porta-chaves, agendas, etc., etc., etc.

«Isto tem muito que ver também com o prazer da escrita de que tanto se fala. Tenho que confessar, muito sinceramente, que escrever não me dá prazer. Pode dar-me prazer ter escrito, o que é outra coisa; agora, o chamado prazer da escrita, sinceramente não o sinto – embora também nunca tenha lido uma explicação que me diga em que consiste esse prazer. Muita gente fala do prazer da escrita, mas nunca ninguém nos disse que esse prazer se manifesta desta ou daquela maneira.«

José Saramago em  Diálogos com José Saramago de Carlos Reis, página 124

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