quarta-feira, 16 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 16 de Novembro de 1922.

«Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa.»

O programa para o Centenário do Nascimento de José Saramago marca que, uma das muitas iniciativas para o dia de hoje, reside em 100 escolas do Ensino Secundário promoverem a leitura, em simultâneo, de páginas do Memorial do Convento e de O Ano da Morte de Ricardo Reis.

Também quero fazer uma leitura.

Gostaria de ser eu a escolher a obra de José Saramago, mas cinjo-me ao que o programa menciona.

Agora, há que escolher entre as duas obras e a dificuldade começa aí porque, tanto um como o outro, encontram-se nos cinco livros da minha preferência, que é uma ideia simplista como outra qualquer  porque são muito mais esses livros.

Peguei em O Ano da Morte de Ricardo Reis e, delicadamente, escuso-me a não ter que revelar os porquês mas não deixo de dizer que é maravilhoso aquele parágrafo final: «São assim os labirintos, têm ruas, travessas e becos sem saída, há quem diga que a mais segura maneira de sair deles é ir andando e virando sempre para o mesmo lado, mas isso, como temos obrigação de saber, é contrário à natureza humana.»

«Este anúncio é um labirinto, um novelo, uma teia. A olhar para ele, deixou Ricardo Reis esfriar-se o café com leite, coalhar-se nas torradas a manteiga, atenção, estimados clientes, esta casa não tem agências em parte alguma, cuidado com os que se intitulem agentes e representantes, porque o fazem para ludibriar o público, chapas transfuradas para marcar barris, carimbos para os matadouros, quando Lídia entrou para vir buscar a bandeja afligiu-se, O senhor doutor não gostou, e ele disse que tinha gostado, pusera-se a ler o jornal, distraíra-se, Quer que mande fazer outras torradas, aquecer outra vez o café, Não é preciso, fico bem assim, o apetite também não era grande, entretanto levantara-se e para sossegá-la pusera-lhe a mão no braço, sentia a cetineta da manga, o calor da pele, Lídia baixou os olhos, depois deu um passo para o lado, mas a mão acompanhou-a, ficaram assim alguns segundos, enfim Ricardo Reis largou-lhe o braço, e ela agarrou e levantou a bandeja, as porcelanas tremiam, parecia que se estava dando um abalo de terra com o epicentro neste quarto duzentos e um, mais precisamente no coração desta criada, e agora afasta-se, tão cedo não vai serenar, entrará na copa e pousará a louça, a mão pousará no lugar onde a outra esteve, gesto delicado que há-de parecer impossível em pessoa de tão humilde profissão, é o que estará pensando quem se deixe guiar por ideias feitas e sentimentos classificados, como talvez seja o caso de Ricardo Reis que neste momento se recrimina acidamente por ter cedido a uma fraqueza estúpida, Incrível o que eu fiz, uma criada, mas a ele o que lhe vale é não ter de transportar nenhuma bandeja com louça, então saberia como podem tremer igualmente as mãos de um hóspede. São assim os labirintos, têm ruas, travessas e becos sem saída, há quem diga que a mais segura maneira de sair deles é ir andando e virando sempre para o mesmo lado, mas isso, como temos obrigação de saber, é contrário à natureza humana.»

José Saramago em O Ano da Morte de Ricardo Reis, página 89

6 comentários:

Tintinaine disse...

Sabendo-o um admirador de Saramago que livro me recomendaria para começar a conhecer o escritor. Até hoje, li apenas o JANGADA DE PEDRA!

Seve disse...

Antecipando-me ao Sammy (que ele me desculpe), permita -me caro Tintinaite. Ouso recomendar-lhe "O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS" o livro que mais gostei depois do absolutamente imprescindível "MEMORIAL DO CONVENTO" (um livro não muito fácil mas um grande, grande livro); dos primeiros do Saramago "LEVANTADO DO CHÃO" outro grande livro, para mim são todos grandes livros o deste escritor, que é, para mim, o maior escritor português de sempre depois de Camões (e isto apenas para não ferir susceptibilidades).
O "HOMEM DUPLICADO talvez dos mais acessíveis.
TODOS OS NOMES (belo livro, e simples).
Todavia, admito que seja um fanático do Saramago!

Seve disse...

E os CADERNOS DE LANZAROTE, para quem gosta de diários, são uma pequena maravilha.

Seve disse...

Entretanto, passou anteontem na RTP1 o 1°.episódio de uma série baseada no livro O ANO DA MORTE DE RICARDO DE REIS. Quem não leu o livro já o não vai ler, caso tenha visto o dito episódio, porque aquilo é uma estopada e uma sêca de todo o tamanho.

Tintinaine disse...

Obrigado! Vou começar com o primeiro recomendado e logo veremos!
Infelizmente, os meus olhos não me permitem grandes leituras, estou na fila de espera para "limpar" as cataratas.

Sammy, o paquete disse...

O desafio que Tintinaite lança é difícil, pela minha parte, por não permitir uma resposta que corresponda ao seu desejo. Porque não é fácil a leitura de alguns livros de Saramago. Mas é de uma grande importância que se leia a sua obra e temos sempre que admitir que cada leitor tem a sua maneira de olhar, os seus gostos. O Seve teve a feliz ideia de avançar alguns dos livros como recomendação de leitura. Eu adianto as minhas preferências e elas retém o pecado de ser um admirador incondicional da obra de Saramago e isso pressupõe uma visão entusiasmante em detrimento de aspectos críticos.
Os livros aparecem sem qualquer ordem ou ideia específica:
Manual de Pintura e Caligrafia
O Ano da Morte de Ricardo Reis
História do Cerco de Lisboa
Ensaio Sobre a Cegueira
Memorial do Convento
Levantado do Chão
As Pequenas Memórias
Viagem a Portugal

Boas leituras.