sábado, 5 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


A uma velocidade vertiginosa, e mesmo assim queremos não dar por isso, a extrema-direita galga fronteiras. Agora em Itália, a senhora Giorgia Meloni venceu as eleições, primeira mulher a liderar um governo em Itália, como líder de uma coligação que reúne, entre outros trastes, o antigo primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Em Junho de 2009, José Saramago chamou a Berlusconi , entre outros mimos, delinquente. Então num artigo no «El País» escreveu: «Esta coisa, esta doença, este vírus ameaça ser a causa da morte moral do país se um vômito profundo não conseguir arrancá-lo da consciência dos italianos antes que o veneno acabe correndo as veias e destruindo o coração de uma das mais ricas culturas europeias", acrescentou. Berlusconi é uma coisa perigosamente parecida a um ser humano, uma coisa que dá festas, organiza orgias e manda em um país chamado Itália».

Já em Maio desse mesmo ano a coisa Berlusconi, dono da Editora Einaudi, recusara a publicação de O Caderno, por alegadas ofensas ao primeiro-ministro.

O texto está no 1 volume de O Caderno e chama-se «Berlusconi & Cª»:

«Segundo a revista  Forbes, o Gotha da riqueza mundial, a fortuna de Berlusconi ascende a quase 10 mil milhões de dólares. Honradamente ganhos, claro, embora com não poucas ajudas exteriores, como tem sido, por exemplo, a minha. Sendo eu publicado em Itália pela editora Einaudi, propriedade do dito Berlusconi, algum dinheiro lhe terei feito ganhar. Uma ínfima gota de água no oceano, obviamente, mas que ao menos lhe deve estar dando para pagar os charutos, supondo que a corrupção não é o seu único vício. Salvo o que é do conhecimento geral, sei pouquíssimo da vida e milagres de Silvio Berlusconi, il Cavalieri. Muito mais do que eu há-de saber com certeza o povo italiano que uma, duas, três vezes o sentou na cadeira de primeiro-ministro. Ora, como é costume ouvir dizer, os povos são soberanos, e não só soberanos, mas também sábios e prudentes, sobretudo desde que o continuado exercicio da democracia facilitou aos cidadãos certos conhecimentos úteis sobre como funciona a política e sobre as diversas formas de alcançar o poder. Isto significa que o povo sabe muito bem o que quer quando o chamam a votar. No caso concreto do povo italiano, que é dele que estamos falando, e não de outro (já chegará sua vez), está demonstrado que a inclinação sentimental que experimenta por Berlusconi, três vezes manifestada, é indiferente a qualquer consideração de ordem moral. Realmente, na terra da mafia e da camorra, que importância poderá ter o facto provado de que o primeiro-ministro seja um delinquente? Numa terra em que a justiça nunca gozou de boa reputação, que mais dá que o primeiro-ministro faça aprovar leis à medida dos seus interesses, protegendo-se contra qualquer tentativa de punição dos seus desmandos e abusos de autoridade?Eça de Queiroz dizia que, se passeássemos uma gargalhada ao redor de uma instituição, ela se desmonoraria, feita em pedaços. Isso era dantes. Que diremos da recente proibição, ordenada por Berlusconi, de que o filme W. de Oliver Stone seja ali exibido? Já lá chegaram os poderes de il Cavaliere? Como é possível ter-se cometido semelhante arbitrariedade, ainda por cima sabendo nós que, por mais gargalhadas que déssemos ao redor dos quirinais, eles não cairiam? É justa a nossa indignação, embora devamos fazer um esforço para compreender a complexidade do coração humano. W. é um filme que ataca a Bush, e Berlusconi, homem de coração como o pode ser um chefe mafioso, é amigo, colega, compincha do ainda presidente dos Estados Unidos. Estão bem um para o outro. O que não estará nada bem é que o povo italiano venha a chegar uma quarta vez às pousadeiras de Berlusconi a cadeira do poder. Não haverá, então, gargalhada que nos salve.»

 

Legenda: Berlusconi com o seu amigo Putin durante durante uma visita à península anexada da Crimeia no ano de 2015.

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