sexta-feira, 25 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Luiz Pacheco teve, um dia, uma das suas saídas, roçando o genial, aquelas que ficam para a História:

«O Saramago é o grande vencedor do 25 de Novembro».

Numa entrevista concedida a Ernesto Sampaio, e publicada no Diário de Lisboa de 8 de Março de 1980, José Saramago sintetiza como é que livro se levantou do chão:

 «Se o pai é o 25 de Novembro, a mãe é o acaso. O meu primeiro movimento, isto no que toca a perspectivas de produção literária, tinha sido transportar-me para as terras ribatejanas onde nasci, levar a traduçãozinho em estaleiro (por sinal um volumoso tratado de psicologia) e tentar o livro campestre que eu andava a sentir necessidade de escrever. Motivos vários impediram a realização do projecto por aquelas bandas. Além disso, parecia-me errado ir cometer uma espécie de regresso ao ovo natal. Foi então que me ocorreu o contacto que estabelecera, em meados de 1975, com a UCP «Boa Esperança», de Lavre, por causa de uma entrega de livros para a biblioteca que eles andavam a organizar. Escrevi, perguntei se podia ir, como seria isso de comer e dormir, e se havia lugar onde trabalhar, um espaço para a máquina de escrever. Eles responderam: «Venha». E eu fui. Estive em Lavre, da primeira vez, dois meses, depois, por intervalos, umas tantas semanas mais, e quando de lá voltei trazia cerca de duas centenas de páginas com notas, casos, histórias, também alguma História, imagens e imaginações, episódios trágicos e burlescos, ou apenas do quotidiano banal, acontecimentos diversos, enfim, a safra que é sempre possível recolher quando nos pomos a perguntar e nos dispomos a ouvir, sobretudo se não há pressa. Andei por Lavre, Montemor-o-Novo, Escoural, por lugares de gente e descampados, passei dias inteiros ao ar livre, sozinho ou acompanhado de amigos, conversei com novos e velhos, sempre na mesma cisma: perguntar e ouvir.»

Levantado Chão: um livro pensado durante dois anos, escrito em cinco meses, o começo numa escrita normal, «como toda a gente faz», e depois, «a folhas vinte e quatro ou vinte e cincoalgo começa a suceder  uma das coisas mais bonitas que me aconteceram» e fica o autor perante a reinvenção da sua linguagem, a linguagem saramaguiana.

Francisco Vale, hoje editor da Relógio d’Água, ao tempo (1981) colaborador de O Jornal, fazia o balanço literário de 1981 («Não foi infecundo o chão das nossas letras no ano que termina»).

- Qual a importância de Levantado do Chão?

- Responda o futuro que é obrigação sua. Para mim, autor, tem esta importância toda: falhava-me a vida se não o tivesse escrito. E, como uma graça nunca vem só, descobri que com o Lenatando do Chão aprendi, enfim, a escrever, isto é, a amar profundamente as palavras.»

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