Carta de
Mário-Henrique Leiria, datada de 27 de Janeiro de 1974, para a «Querida Menina»:
Lamentos por andar todo empenado, nem tem conseguido
sair da cama, «dores monumentais e mãos
totalmente inutilizadas». Hoje, lá conseguiu pegar na caneta, na máquina de
escrever, nem pensar.
Vê lá tu que no EXPRESSO da semana passada saí como o best-seller nº 2
da quinzena. À minha frente só o tal Prémio Nobel australiano (que acho
péssimo, mas enfim…). Olha, aí está. Aliás, não tenho nada com isso nem quero.
Convites, agora, têm sido aos molhos. Para jantar com este, para
almoçar com aquele, sei lá. Deves saber, claro, que não aceito. Primeiro porque
me custa mexer e depois (e principalmente) porque realmente me estou nas tintas
para ser escritor, continuo a sentir-me realmente um marginal e não funciono,
mas não funciono mesmo, em relação aos literatos e outras coisas igualmente
idiotas. Calcula que até um fulano que faz o programa literário da TV me mandou
convite para lá ir botar
Palavra! Nem valeu a pena responder, não tenho nada a ver com TVs
estatais portuguesas e, além disso, se fosse à primeira frase que eu dissesse
cortavam logo tudo, Sabes como eu falo, não é?
Bem. Menina, se vieres realmente ao Algarve e eu puder mexer um pouco o
canastro, tentarei ir ver-te. Seria magnífico, mas o meu corpo já não me dá
licença a tomar decisões… eu é que tenho de esperar a licença dele. Por
exemplo, ir agora pôr esta carta no correio vai ser uma espécie de travessia do
Mar Vermelho, mas vou mesmo, ainda que as pernas recalcitrem à farta.
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