quinta-feira, 16 de agosto de 2018

OLHAR AS CAPAS



Os Possessos
Peça em 3 actos adaptada do romance de Dostoievski

Albert Camus
Tradução: Armando Ferreira
Livros do Brasil, Lisboa s/d

Virguinsky – Lipoutine vai muito longe porque desespera de um dia chegar a ver o triunfo das nossas ideias. Eu creio que é preciso começar pelo princípio e abolir os padres ao mesmo tempo que a família.
Gaganov – Meus senhores, eu compreendo todas as brincadeiras… mas abolir de uma só vez o exército, a marinha, a família e os padres, não! Ah! não… não.
Stépan – Mas não faz mal algum tratarmos disso. Podemos falar do que quisermos.
Gaganov – Mas acabar assim com tudo dessa maneira, d uma só vez só, não! Ah! não, não…
Lipoutine – Vejamos; não acha que é preciso reformar a Rússia?
Gaganov – Sem dúvida. Nem tudo está perfeito entre nós.
Lipoutine – É preciso portanto desmembra-la.
Stépan e Gaganov – O quê?
Lipoutine – Exactamente. Para reformar a Rússia, é necessário torná-la uma federação. E para a federar, é precisos primeiramente desmembra-la. É matemático.
Stépan – Isso merece ser reflectido.
Gaganov – Eu… Ah! Não, não, eu não me deixo levar com essa facilidade.
Virguinsky – Para reflectir, é necessário tempo. E a miséria não espera.
Lipoutine – É preciso começar pelo mais urgente. E o mais urgente, antes de mais nada, é que toda a gente tenha que comer. Os livros, os salões, os teatros ficam para depois, para mais tarde… Um par de botas vale mais que um Shakespeare…
Stépan – Ah! Não pode ser! Eu não consinto em semelhante coisa! Não, não meu bom amigo; o imortal génio brilha acima dos homens. O mundo todo que ande de pés descalços mas não se toque em Shakespeare…

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