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Publicado
em 17 de Julho de 2020
Há uma frase de José
Rodrigues Migueis que José Gomes Ferreira citou em A Memória das Palavras:
«Os sonhos da
juventude, realizam-se sempre. Se não aos trinta, aos quarenta anos… ou aos
cinquenta… ou aos sessenta… mas realizam-se sempre… A questão está em querê-lo
bem do fundo da teima dos ossos!»
Exilado nos Estados
Unidos, José Rodrigues Miguéis, mesmo longe, assistiu à queda da ditadura, viu
a cor da liberdade, como poetizou Jorge de Sena.
Morreu em Nova Iorque
no dia 27 de Outubro de 1980.
Tinha 78 anos.
«Muitas vezes me
perguntaram, porque é que não regresso? Talvez porque nunca cheguei a partir.»
Por vontade expressa as
suas cinzas vieram para Portugal onde chegaram em Maio de 1981 e tal como
escreveu em A Escola do Paraíso:
«Não se pode ter
nascido ali, viver a ver chegar e partir navios todos os dias, com um rasto de
lágrimas e o esvoaçar de adeuses no azul, nem ouvir noite e dia estas vozes,
sem ficar impregnado de irremediável nostalgia. Tudo isto, o rio imenso, os
cais, o mar, os horizontes, se integra nele e ficará para sempre dentro dele
como um apelo de longe e uma saudade, anseio de partir e de voltar: quando?
e para onde?»
Digo-o com mágoa, muita
mesmo: José Rodrigues Miguéis está praticamente esquecido.
E é uma pena que não
seja lido.
Segundo uma nota final
que escreveu, Miguéis diz-nos que começou a escrita de O
Milagre Segundo Salomé, sentado numa mesa d’A Brasileira do Chiado «Junto à
porta, e sozinho como quase sempre, eu tenha tomado num papelinho de acaso a
primeira nota para uma cena que viria a ser germe e fulcro do romance: «Onde a
lava transborda,»
Deu-o, provisoriamente,
por terminado pelos anos cinquenta e recopiou-o, em forma final entre 1966 e
67. Deu-o a ler a Mário Castro, a quem o livro é dedicado, a Rogério Fernandes,
José Saramago, Maria da Graça Amado da Cunha, Prof. Oliveira Marques, outros de
que não recorda o nome e todos tiveram, além de reparos, palavras de
encorajamento.
«Houve até quem me
incitasse a publicá-lo em pleno caetanismo - -«É agora a altura!» - num surto
de crença nas boas intenções de que está cheio o nosso pequeno inferno. Quanto
a mim, era mais um Romance-para-a-Gaveta, como outros, menos felizes, que
esperam drástica revisão.»
Ainda da nota final,
que tenho vindo a citar:
«OMilagre
Segundo Salomé não é um romance histórico: não pretende reconstituir
factos ou acontecimentos nem evocar pessoas cuja realidade ou verdade será
apenas a que uns e outras assumirem aos olhos do leitor; e os que se inspiram
da realidade aparecem aqui transpostos, anacronizados, telescopados ou
conjugados seguindo as conveniências da narrativa. Qualquer semelhança entre
este «milagre» e algum milagre do mundo não ficcional, deve-se apenas a uma
assimilação lógica ou formal, e não ao desejo de fazer proselitismo ou de
rebater o segundo.»
Miguéis considerava-o o
seu melhor livro, mas a publicação em 1975, durante o PREC, prejudicou
fortemente a atenção que crítica e leitores lhe poderiam conceder, o que deixou
Migueis profundamente desgostoso.
Mas é um livro
extraordinário que retrata a sociedade lisboeta nos primeiros anos do século
XX, a decadência dos ideais da Repúblca que originarão o 28 de Maio de 1926 e
tudo o que se lhe seguiu.
José Rodrigues Migueis
recusou sempre qualquer espírito de nacionalismo, mas tinha um enorme sentimento
pelo País onde nasceu, e exigiu ser sepultado em Lisboa.
No topo do texto, o
monumento que encima o local onde estão depositadas as suas cinzas.
Reproduz-se a noticia
que o Diário de Lisboa, aquando da chegada dos restos mortais, publicou no
dia 4 de Maio de 1981.