sexta-feira, 1 de outubro de 2010

IDÍLIO EM BICICLETA


A bicicleta é um dos picos do génio tecnológico humano. Quando se popularizou, nos finais do século XIX, antes da entrada em cena do automóvel, provocou uma revolução social. Pela primeira vez na História, toda a gente se tornou móvel. Passou a ser possível percorrer grandes distâncias de forma autónoma, rápida e barata. Surgiu também a ideia, até então inconcebível para os milhões de pobres de todo o mundo, de viajar por puro prazer. A bicicleta não consome combustível. Por isso, quanto mais andar, mais justifica o investimento.
A capacidade de viajar tornou-se um bem ilimitado e isso foi o princípio da libertação dos trabalhadores, que devem ao inventor da bicicleta muito mais do que a Karl Marx. Foi também o ponto de partida para a libertação da mulher, permitindo-lhe sair de casa, trabalhar e conquistar a independência.
Todos os outros veículos precisam de energia externa. A bicicleta é independente. Vive da nossa força muscular, que multiplica com eficácia cada vez maior.
O objectivo da ciência ciclística é tornar o veículo mais leve, mais aerodinâmico, mais funcional. Os quadros, forquetas e guiadores começaram a ser construídos em alumínio, depois em fibra de carbono. Carretos, cremalheiras, correntes passaram a ser feitos em ligas metálicas resistentes e virtualmente isentas de peso.
Sem recurso a nenhuma fonte externa de energia, à custa, apenas, do seu próprio desenho, a bicicleta é, hoje, um veículo extraordinário. Aproxima-se da perfeição, ou seja, de um limite utópico em que não seria preciso, sequer, pedalar. Esse momento, sim, representaria a nossa vitória sobre a Natureza. Até lá, é melhor sermos amigos dela.”

Paulo Moura no “Público”, 2007

Fotografia de Idílio Freire

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