quinta-feira, 9 de agosto de 2012

AINDA HÁ ESTRELAS NO CÉU


Nesses tempos em que ele ia ao cinema com regularidade, em que isso era quase uma necessidade física, também teve fixações por algumas actrizes. Também se apaixonou pelas estrelas.

Até pode, aqui mesmo, falar de algumas, como a Jeanne Moreau, a Geraldine Chaplin, a Anna Karina, a Carole Laure, a Hanna Schygulla. Eram paixões platónicas, mas lá que havia um bater mais forte do coração com a sua presença, isso havia. Quando as luzes das salas se apagavam, e o filme ia começar, havia sempre alguém que dizia Chiu!!! Ajeitava-se melhor na cadeira e esperava, às vezes com ansiedade, a chegada das eleitas.

Ora, como não podia deixar de ser, também se deixou enfeitiçar pela luminosidade da Marilyn Monroe. Aqui, sim, as coisas fiam mais finas. É que tudo começou com a famosa fotografia do calendário, mais tarde reproduzida em várias revistas, e que ele viu, no início da sua adolescência, no escritório do tio advogado, no rés-do-chão do velho casarão da rua Direita em Chaves.

Era o corpo nu da Marilyn, deitado de lado sobre uma coberta amarrotada de veludo vermelho, os cabelos loiros soltos e revoltos, a olhar para quem a olhava.

Para expulsar demónios, esgotar energias e esquecer insónias, avançava, em grandes passeios de bicicleta, pela estrada de Braga. Chegava até Curalha onde, anos mais tarde o Manoel de Oliveira iria filmar, com o povo da aldeia, o Acto da Primavera. Ele ficava-se a olhar o rio, a levada e as azenhas e, como os miúdos de uma fita de Fellini, dizia adeus aos passageiros da carreira.

Dos filmes de Marilyn, desses anos 50 (Os Homens Preferem as Loiras, Rio Sem Regresso, O Pecado Mora ao Lado, paragem de Autocarro, O Príncipe e a Corista, Quanto Mais Quente Melhor), para ser franco, não se recorda deles, na sua adolescência, mas sim de os ver mais tarde, no Porto, no início dos anos 60, em matinés clássicas ou em sessões de Cine-Clube.

Mas tem a certeza que passaram, quer no cinema da rua de Santo António, em Chaves, quer no Avenida, de Vila Real, pois recorda-se bem de aí ter visto as fitas com o James Dean e o Sementes de Violência, do Richard Brooks, com Bill Haley and his Comets a tocarem o Rock Around the Clock, que já se dançava em festinhas particulares mais atrevidas, com o Only You, dos Platters.

Quanto à comédia do Hawks, Os Homens Preferem a Loiras, ele quase jurava que foi exibida no Avenida, pois tinha todos os ingredientes que podiam agradar ao grande público, embora com uma ironia mordaz nas entrelinhas, ou se quiserem, entre os planos: boa disposição, viagens de transatlântico, a excelente dupla Marilyn Monroe/Jane Russell, Paris em pano de fundo, beijos ao luar, muitas canções, a fabulosa cena do tribunal, e um final feliz com dois casamentos… Ele põe a tocar do Abarracamento o CD da Marilyn e ouve, mais uma vez deliciado, o tema em que ela diz a trautear, que os diamantes são os melhores amigos das raparigas…

Depois?... Bem… Depois nem tudo foi perfeito como nos filmes. Em 1961 sai esse pungente Os Inadaptados, do John Huston, a partir de uma história de Henry Miller, que ele viu no Batalha, no Porto. Era o princípio do fim. Não se sabe onde acaba a ficção e começa a realidade.

Em Os Inadapados, Marilyn, Clark Gable e Montgomery Clift, vagueiam, perdidos, entre a cidade de Reno e o deserto do Nevada. Solidão e desamor. E, depois dos dois homens conseguirem prender o cavalo preto selvagem, a tensão sobe, para além da força das cordas, e ela foge, a gritar: Assassinos! Aldrabões! Por que não se matam e ficam felizes?

Clark Gable é vítima de um ataque cardíaco, após a rodagem do filme. Clift tem um acidente, devido ao qual morre, dois anos depois. A 5 de Agosto de 1962 é encontrado o corpo sem vida de Marilyn, na sua casa de Brentwood, sobre uma cama com lencóis azulados, o telefone desligado, uma agenda de moradas aberta, um frasco vazio de Nembutal. Ele sempre pensou: Uma história mal contada.

Mas, como no final de Os Inadaptados, em que havia uma réstea de esperança, no derradeiro diálogo entre o Clark Gable e a Marilyn, também ele procura afastar o medo e sair da solidão, e exclama: Ainda há estrelas no céu!

Eduardo Guerra Carneiro em Outras Fitas

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