terça-feira, 21 de agosto de 2012

O'NEILL



Começo de Alexandre O’Neill Uma Biografia Literária de Maria Antónia Oliveira (1):

No dia em que Alexandre O’Neill morreu, 21 de Agosto de 1986, Lisboa estava, como é costume da época, deserta e encalorada. Os portugueses tinham debandado para o Algarve. Portugal entrava na CEE e saía da crise económica. As Amoreiras acabavam de ser inauguradas. Mário Soares era presidente da República desde Fevereiro, e Cavaco Silva era primeiro-minisyto recente, quase um desconhecido. Os jornais ocupavam-se do acordo ortográfico, do julgamento das FP25, dos efeitos da CEE no Alentejo. Uma nota muito discreta anunciava que o filme de João Botelho Um Adeus Português (título do mais célebre poema de O’Neill) ia representar Portugal na mostra de cinema europeu de Rimini.

De seu nome completo, Alexandre Manuel Vahia de Castro O’Neill de Bulhões, vulgo Alexandre O’Neill, morreu com sessenta e um anos e estava internado desde 16 de Abril, na sequência de um acidente vascular cerebral.

Poeta caixadòclos, esticalarica que se vê considerava-se o maior dos poetas menores, asmático, uma vida permanentemente vivida na corda bamba, um eterno cultor do lugar-comum.

De novo Maria Antónia Oliveira:

«Como conceber Cesário Sem Lisboa? Como conceber Pascoaes sem o Marão», perguntara O’Neill, recordando o poeta de Amarante por ocasião da sua morte: Como conceber O’Neill sem Lisboa, acrescentaremos nós, os do século XXI. A nossa ideia da cidade de Lisboa de segunda metade do século XX ficará indelevelmente marcada pela poesia de Alexandre O’ Neill, tal como Lisboa dos finais do século XIX perpassam os versos de Cesário Verde.

Numa entrevista, ao Expresso, deixou bem vincado que a morte é uma fuga definitiva a todas as chatices, e, aos 30 anos escreveu para si o seguinte epitáfio:

Aqui jaz Alexandre O’Neill
um homem que dormiu
muito pouco
Bem merceia isto

Resta deixar um texto seu, extraído de Uma Coisa em Forma de Assim (2)

MULHERES

Aqui estão espraiadas, as mulheres. Viram-se e reviram-se sobre as toalhas para bem se tisnarem por todos os lados. Trazem sacos e maridos para a areia. E filhos. De repente, sentam-se. Gritam: Ó Luís, ó Bruno Manuel, ó Fernando Jorge, ó Mafalda Sofia, ó Joana Filipa! Maternais e enfastiadas, vigiam os pequenos. Ralham com os maridos como se estivessem a cantar uma canção de trabalho. Querem-nos à Mão.
Entram no mar pé ante pé. Quando a primeira onda lhes dá uma umbigada, soltam um bando de gritinhos. Afoitam-se, cabeça muito levantada para que a cabeleira não se molhe. E, então, começam a sorrir. Não há, nesse momento, quem as arranque do mar. Mas, com a muita, muita água, um pensamento indesejável assalta-lhes as imaginativas cabecinhas: o peixe que, do largo, pode vir, ligeiro, engolfar-se-lhes entre coxas.
Regressam às toalhas, aos guarda-sóis. Chamam, pelos seus nomes aos pares, os pares de crianças. Esbofeteiam-nas, beijam-nas, prodigalizam-lhes sanduíches de areia. Entretanto, os maridos foram dar uma volta.
Mulheres! Afinal sempre sozinhas sob a rosa do sol...

(1)   Alexandre O’Neill Uma Biografia Literária, Publicações Dom Quixote, Lisboa Janeiro de 2007
      (2) Uma Coisa em Forma de Assim, Editorial Presença, Lisboa 1985

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