segunda-feira, 13 de agosto de 2012

OLHAR AS CAPAS


Muito Lá de Casa

João Bénard da Costa

Assírio &Alvim, Lisboa Dezembro de 1993

«Morreu a mulher mais bela do mundo / Tão bela que não só era assim bela / como mais que chamar-lhe marilyn / devíamos mas era reservar apenas para ela / o seco sóbrio simples nome de mulher / em vez de marilyn dizer mulher».
Assim começa o belíssimo poema de Ruy Belo chamado "«a Morte de Marilyn». E agora reparo que, na citação do poema e neste parágrafo, o adjectivo belo (no feminino, no masculino, no comparativo de superioridade ou no superlativo absoluto) já apareceu cinco vezes. «Em vez de Marilyn dizer mulher» ou em vez de Marilyn dizer bela («não havia no mundo melhor mais bela»). Não havia, não houve e talvez não haja nunca mais.
Pelo menos, assim. Marlene, eu sei e lembro-me do que vou escrever. Mas Marlene foi a vos e o corpo acessos por Sternberg e Marilyn foi a voz e o corpo acesos por vários (Wilder, Cukor, Hawks, Hathaway, Logan – grandes médios e pequenos faróis)  e simultâneamente o corpo e a voz que ela acendeu. Bastava que surgisse para tudo ser luz: uns perceberam-no e quedaram-se maravilhados; outros, não sei se o perceberam, mas a maravilha acontecia igualmente. Não vou repetir a conversa sobre actrizes e «stars». Já disse o que tinha a dizer. Mas o que nunca houve foi outra luminosidade assim.
E esse é o nome da beleza.
Muitos dos que trabalharam com ela (Tony Curtis, por exemplo, em Some Like It Hot) disseram não sentir nada. Pode ser. Mas a única verdade que conta é que, quando a vemos, sentimos tudo. Que grande actriz? Sim, mas muito mais do que isso: que enorme mistério. Mistério que obcecou dezenas de poetas, de escritores, de pintores, mistério de que nem Mailer nem Warhol (no seu celebradíssimo retrato) captaram um décimo sequer. Embora Mailer tenha escrito na sua controversa biografia uma das cisas que mais pode aproximar-se do mistério Marilyn. «One might literally have to invente the idea of a soul in order to approach her». «The idea of a soul», no sentido que Agustina e Manoel de Oliveira lhe dão quando pôem na boca de Fanny Owem-Francisca a frase «a alma é um vício». O cinema também o é, como já escrevi, e por isso temos que inventar literalmente as duas ideias (alma e vício) para nos aproximarmos de Marilyn. Ou para percebermos porque tanto ela se aproxima de nós e porque tanto nos aproximamos dela. «She was infinitely she».   

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