quinta-feira, 24 de abril de 2014

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Os Verdes Anos, filme de Paulo Rocha, com argumento de Nuno Bragança e música de Carlos Paredes, poema de Pedro Tamen

De Os Verdes Anos, diz Jorge Silva Melo em Século Passado, memórias suas, que viu o filme no São Luiz, tinha quinze anos e nenhum outro filme  tenha rasgado mais o céu possível do que este pequeno filme juvenil, inseguro tímido e lírico de Paulo Rocha, filme feito aos vinte e cinco anos ( o Paulo nasceu em Dezembro de 1936, o filme traz a data de 1963).
Com que então, era possível? Filmar os locais que eu conhecia, filmar desencontros de amor pelo entardecer do campo grande, filmar as barracas que se construíam em cima da Avenida do Aeroporto, até perdermos a vista noutras Chelas e, agora, o parque do Rock in Rio? Filmar Floresta do Ginjal, aquela escada íngreme forrada a conchas? Filmar pessoas, como a criada eu andava pela casa dos meus pais chorando com os folhetins da rádio e aos domingos de namoro? E ver nisto, inscrever na paisagem que todos os dias eu via (a esquina do Vává…) a violência daquele final, a morte da rapariga, o rapaz que desafia a cidade?
Ele havia Salazares, a Pide era mesmo ao lado do São Luiz, a censura não estava longe, mas aquele foi um dia rasgado, puro e limpo, o dia sob a ditadura em que vi os Verdes Anos.
«É o filme que melhor dá a ver Lisboa e Portugal como espaços de frustração, espaços claustrofóbicos, sem saída, onde tudo se frustra e tudo agoniza numa morte branda», diz João Bénard da Costa, e ninguém sabe mais do que ele.
E o Paredes continua a tocar. Até ao sabugo, como o Paulo Rocha.

O Poema Possível

Era o amor
que chegava e partia:
estarmos os dois
era um calor
que arrefecia
sem antes nem depois…
Era um segredo
sem ninguém para ouvir:
eram enganos
e era um medo,
a morte a rir
nos nossos verdes anos...

Teus olhos não eram paz,
não eram consolação.
O amor que o tempo traz
o tempo o leva na mão.

Foi o tempo que secou
a flor que ainda não era.
Como o Outono chegou
no lugar da Primavera!

No nosso sangue corria
um vento de sermos sós.
Nascia a noite e era dia,
e o dia acabava em nós…

O que em nós mal começava
não teve nome de vida:
era um beijo que se dava
numa boca já perdida.



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