terça-feira, 6 de outubro de 2020

MY MOJITO IN LA BODEGUITA, MY DAIQUIRI IN EL FLORIDITA

Se eu já estou farto de Hemingway, imagino que vocês ainda o devem estar mais…

Mas andar aqui a falar de casas e bares em Key West e em Cuba e não falar destes dois, seria uma falha imperdoável.

Lamentavelmente, numa cidade tão bonita e com tantos pontos de interesse, La Bodeguita del Medio e El Floridita são duas das maiores atrações turísticas de Havana.

A Hemingway isso se fica a dever, é claro...

Dos dois bares/restaurantes, El Floridita, situado na esquina da Calle Obispo com a Avenida Montserrate, é o mais antigo, o mais genuíno e aquele que Hemingway frequentava mais vezes e há mais tempo.

A lenda diz o inverso mas, neste caso, não se vai publicar a lenda…

El Floridita foi aberto em 1817 com o nome de “La Pina de Plata” e cem anos depois foi comprado por um catalão de nome Constantino Ribalaigua, antigo barman, que lhe mudou o nome para o atual.

Hoje, nos seus tons de vermelho, é um bar/restaurante mais bonito, mais seleto e mais caro do que a Bodeguita, com o seu ar mais popularucho.

Desde 2003 que num dos extremos do balcão, na zona onde Hemingway gostava de se sentar, foi instalada uma estátua de bronze com a figura do escritor. Todo o saloio que por lá passa exige uma fotografia para a posteridade ao lado dele e eu, é claro, não fui exceção. Mas poupo-os à fotografia…

Para me poder sentar lá ao lado tive de beneficiar da gentileza de duas senhoras estrangeiras que ocupavam o espaço e se afastaram, as quais se riram e, no final, me perguntaram se podiam também tirar-me uma fotografia ao lado dele porque – disseram – com a minha barba branca de quinze dias e o chapéu de palha, eu parecia um sósia de Hemingway.…

Curiosamente, na manhã desse mesmo dia (ou do dia seguinte, já não me recordo bem…), uma vendedora de rua chamou-me “Papa” e pediu-me un besito…

Surdo como sou, segui em frente e não dei por nada, o que a deixou tristonha… Mas a minha mulher alertou-me, fazendo-me voltar para trás, dar-lhe dois besitos e comprar-lhe o que ela vendia, que julgo que era água fresca…!

Pelos vistos, andei a fazer de Hemingway sem dar por isso…! 

Voltando a El Floridita, em cuja porta de entrada estão, em permanência, músicos a tocar, a sua especialidade é o daiquiri, uma bebida à base de rum, limão e açucar, que Ribalaigua terá inventado, com grande sucesso, no início dos anos trinta.

Quanto à La Bodeguita del Medio, fica a meio da Calle Empedrado e daí vem o seu nome porque, na Habana Vieja, os bares costumavam ficar sempre nas esquinas (é o caso da Floridita…) e não no meio das ruas.

Embora já lá antes houvesse uma loja, a “Bodega La Complaciente”, um tal Angel Martinez comprou-a em 1942 e transformou-a num comércio de produtos variados a que deu o nome de “Casa Martinez”. Também servia, a pedido, comes e bebes, mas só para os clientes habituais, e a verdadeira especialidade da casa era uma bebida feita de à base de rum, hortelã limão e açúcar, a que se deu o nome de mojito.

Com o passar dos tempos, a casa foi ganhando nome e atraindo a boémia local e os intelectuais, incluindo Nicólas Guillén que lhe dedicou um poema que está pendurado numa das paredes da casa.

Em 1950 o nome do bar foi mudado para o atual, La Bodeguita del Medio, e começou a servir comidas e bebidas a toda a clientela. Terá sido durante esses anos 50 que o bar adquiriu a sua fama internacional, chamando gente como Pablo Neruda, Salvador Allende, Errol Flynn ou Nat King Cole, cuja mesa ainda lá está identificada.

E terá começado também aí a moda de se deixar nome e escritos nas paredes, que durou aos dias de hoje, como poderão ver...

Terá sido, também, por essa altura que Hemingway a terá começado a frequentar com maior regularidade, não obstante, como o próprio proprietário, Angel Martinez, parece ter afirmado, ele nunca ter sido um cliente muito frequente.

E, para ofuscar ainda mais a lenda, especialistas na caligrafia de Hemingway dizem que a célebre frase por ele escrita numa parede, que utilizei para título deste texto, pode muito bem nem ter sido escrita por ele, uma vez que a assinatura tem floreados que ele não costumava fazer...

Curiosamente, enquanto a Floridita parece não ter sido tocada, a Bodeguita foi encerrada após a revolução e todas as suas paredes foram pintadas.

Anos mais tarde houve alguma pressão para que ela voltasse a funcionar, e parece que Salvador Allende até terá movido, também, as suas influências junto dos responsáveis de Cuba.

Foram utilizadas fotografias da época e o bar foi de novo decorado na sua forma original, até hoje, com a fauna que aqui veem nas fotografias, na qual, naturalmente, eu me integrei. Tanto que não me limitei ao Mojito da praxe e também por lá jantei…

Escusado será dizer-vos que, nos dias de hoje e com exceção dos empregados, nestes dois bares só se veem turistas estrangeiros.

E agora sim, acabámos, de vez, com Hemingway!

Mas não com Cuba, como perceberão...

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira

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