quarta-feira, 28 de outubro de 2020

DEMORAR NO QUE DÓI

Somos todos uns sentimentais e por isso demoramos no que nos dói. Temos o choro fácil que dá ou não dá em lágrimas, guardamos as dores cheias de pormenor enquanto as felicidades ficam por ali, confusas, com algumas caras, alguns sons, incertas e vagas. Lembramos os sapatos que calçávamos quando alguém morreu, a hora da notícia, o programa que passava nesse instante e até as vergonhas que pensámos. Folheemos as páginas do riso e pouco encontraremos, algumas frases, momentos caricatos, elementos de uma paisagem. Pouco e mal contado, estávamos distraídos, demasiado ocupados na felicidade para lhe fazermos o retrato. Somos tolos e sentimentais, temos arcas cheias de mágoas que não esquecemos e que abrimos a todo o momento a ver se ainda nos doem, e doem sempre. Descuramos o arquivo do bem que apesar de tudo nos vai acontecendo, somos tolos de lágrimas.

 Nuno Camarneiro em Debaixo de Algum Céu

 Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

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