terça-feira, 12 de agosto de 2025

AREEIRO /7 DA TARDE

Caminho pela cidade e sinto na pulseira

o indelével trilho seccionado no ouro

pelo agreste grão da parede do quarto

enquanto implacável

maceravas a pele do meu corpo

recuando o avanço impunemente.

Nos dedos os anéis,

o cobre não se mistura ao ferro,

mas antes faz engaste

na espessura do dito,

os anéis, dizia,

formam em cada membro um halo protector.

Há povos que conservam

poder sobre os metais

e fecham cada dedo

à invasão do individualismo.

Há um amigo que está em Nova Iorque

e não manda recados.

Gente se junta e passa ao lado,

acre corrente segura pela âncora

algema na areia.

Alguém cujo riso era aberto demais

Cravou no coração, tranquilo, uma verruma

O líquido injectado agiu incontinente.

A tua sede agarra-me no braço

e torce-me por dentro.

Igual a um toco de figueira

estiolo na berma do asfalto,

um prego me sustenta

naqueles brinquedos circulares

que crianças agitam

e nunca se descolam da parede

o rubro do metal

a zona vulnerável

um acaso te fez a descoberta.

Tenho em cada meninge um olho de serpente

que te segue as pegadas no encalce da morte.

Vacilante rodeias precipícios

que não se vão fechar

por eu desaparecer.

 

Fátima Maldonado em Os Cem Melhores Poemas Portugueses dos Últimos Cem Anos

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