sábado, 14 de maio de 2011

OLHARES


Perdido entre os seus afazeres contabilísticos, as suas namoradas, amores tão delicados que o levam a dizer, lágrima ao canto do olho, que ainda havemos de ir a Viana, as suas tarefas de militância autárquica em Alcanena, o Dr. Garrudo fica com pouco tempo para os amigos e percorre os dias em ausências prolongadas.

Mas de repente desperta, um pouco assim como o Messi que parece andar a dormir pelo relvado e de repente solta o génio que dentro dele vive.

Lembrou que era a última jornada do campeonato e convidou o núcleo duro da Catedral para um dia, mesmo à Benfica, que culminaria pelo cair da tarde a assistir ao jogo do Glorioso com a União de Leiria.


O almoço foi no “Zé Alentejano”, um tasco a escassos metros da estação do Metro em Amadora Este.

Agradável no estio ardente da tarde, saber que se vai comer num sítio fresco para amenizar as calorias da gastronomia alentejana, uma casa sossegada ao sábado, longe dos dias da semana onde trabalhadores assentam praça para o almoço. Tempos houve, ainda existia a “Sorefame”, que os operários formavam monte à porta do Zé Alentejano. Os tempos em que tínhamos indústrias, agricultura, pescas, coisas que o professor-Cavaco-Silva-enquanto-primeiro-ministro, a mando da CEE, tratou de mandar liquidar.  Hoje torcem a orelha, dizem que estamos excessivamente dependentes do estrangeiro, tarde piaste.

Para além de alentejano, o sr. Zé é do Benfica, para que se possa ficar a saber que ainda há perfeições.

A decoração da casa passeia-se por motivos alentejanos. Nas paredes um cartaz, em pano, de uma corrida de touros com o matador José Júlio, Barrancos anos 60 e  uma bandeira do Benfica.

Jogar em casa é isto. No tecto uma ventoinha lenta, como naqueles velhos filmes americanos dos anos 40.


Pão alentejano, torresmos do rissol, um “must” do colesterol que tradicionalmente eram feitos no dia da matança do porco num tacho de barro, azeitonas britadas, um cosido de grão que, para ser comido há que utilizar garfo e faca mas também colher por causa do caldo e depois um ensopado de borrego, tudo acompanhado por um encorpado tintol de pipa da Amarelaja, terra de brancos como se sabe, mas em que os tintos também são de estalo, bebido à temperatura da adega.

O cosido estava uma maravilha, largamente perfumado com hortelã, pena não ser hortelã da ribeira, mas ter tudo às vezes também não ajuda muito
.
                                        


O ensopado para a boca dos lisboetas e do ribatejano estava uma delícia de apaladado, mas o Luís Contas, alentejano do alto, no paladar concordou, mas murmurou que o bicho devia ter sido abatido quando ainda era borreguinho.

Eram quatro em ponto da tarde quando deixámos a tasca do Zé Alentejano., o jogo era às oito.

Que fazer?

O Dr, Garrudo impôs uma ida a Odivelas para que sobremeseassemos uma das melhores pastelarias do mundo, no “Viriato”, Pão Quente, Pastelaria Fabrico Próprio. Confirmaram-se os cânticos de louvor entoados pelo Dr. Garrudo, ficando a faltar adjectivos para que o leitor tome ideia do que falamos.



Os donos da “Viriato” são dois gémeos, velhos conhecidos de outras paragens do Dr. Garrudo e do Luís Contas e que, um pouco mais acima, com o mesmo nome, têm outra casa  mas apenas como restaurante.

Era cedo para a janta pelo que nos ficámos por uns jarros de sangria, estupidamente cheios de pedaços de  gelo e, de copos em riste, por a esplanada estar cheia, nos sentámos nos bancos de jardim que circundam o “Restaurante Viriato” e, por ali, ficámos a ver o tempo passar.

                                      


Ainda tempo para uma charutada e, quase em hora de partida, o Dr. Garrudo ainda ficou a olhar para umas travessas de caracóis que, não fosse o raio do jogo, cairiam como ginjas.

O dito acabou por ser o espelho de toda uma época: medíocre q.b.

À memória veio a tal travessa de caracóis que, por causa da jogatana, não se deitou abaixo.

Acresce que, antes do jogo, a berraria do “speaker” do estádio não permitiu que o Dr. Garrudo passasse pelas brasas, aqueles breves momentos de cerrar os olhos, mas que valem por todo um grande sono.

De desgosto em desgosto, nada que, no "Boa Esperança", um “sonhé”, com muitos alhos,  não fizessem esquecer.

Assim foi.

Batia quase a meia-noite quando iniciámos o regresso a casa.

Há pequenas coisas que fazem toda a diferença e, por vezes, esquecemo-nos que a felicidade pode ser o somatório dessas pequenas coisas porque, tal como um dia disse o Saint Just a felicidade é possível.

Assim se vai armazenando o sabor nostálgico das memórias, o gosto da amizade.

2 comentários:

Miguel disse...

Pelos vistos, safou-se o petisco e a companhia...!

O Dr. Garrudo tratará de, oportunamente, organizar evento idêntico aberto a outros quadrantes ideológicos...

um abraço!

sammypaquete disse...

Nestas coisas de tascas alentejanas há sempre a pergunta sacramental:
- Como estamos de tordos.
O Sr. Zé ficou de confirmar se, lá na arca de casa, ainda estará uma dúzia e qualquer coisa dos ditos.
O Dr. Garrudo está em cima do acontecimento.