quinta-feira, 12 de maio de 2011

O TEJO GLAUCO A FECHAR AS VISTAS


“Gosto de melros, os espertotes, ladinos, com aquele jeito preto de recalcitrar de lado. Há poucos pelas relvas de Lisboa, não sei se da concorrência de pardais fura-vidas e pombalhões abafa-espaços, se duma vontade de saltitar ao de leve por outras bandas.
Ainda assim, aparecem uns tantos na feira do livro, a lavrar no parque. Negrejam aos picos no verde, dão-se a uns desenfados de voejo breve, armados em superiores. Bonito bicho, de muita inspiração literária. Ele é o Jean-Baptiste Clément, ele é o Junqueiro…
Não há melros num espaço fechado, num armazém tristonho e esquadrinhado de encontrões sem sol. Todos os anos aquele para-baixo e para-cima, os encontros de fulano e cicrano, as capas que amadurecem de ano para ano, a luz explosiva de Lisboa, os revérberos, o Marquês que medita, as frondes da avenida, o Tejo glauco a fechar as vistas.
Tenho estado em salões, por essa Europa. Salões, salas grandes, com o seu quê de fábrica e hangar. Em parte nenhuma há esta cor, esta brisa, este céu, esta extensão clara, esta alegria. Mude-se o que houver a mudar. O espaço, deixar estar”.
Mário de Carvalho e, “Os Livros no Parque”, Lisboa Maio 2004

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