domingo, 18 de janeiro de 2015

MINHA PALAVRA DITA À LUZ DO SOL POENTE


José Carlos Arydos Santos.

Morreu porque já não queria mais estar vivo.

Ao contrário de Vinicius, não morreu de tanto ter vivido.

Tinha 46 anos.

De cirrose, como se infere da certidão de óbito por que era bebedor com muito gosto.

A rataria deve estar contente, As madamas até vão dar chás-canasta, Pudera! Lá se foi mais um comuna, que alívio.

( José Carlos Gonzalez em O Diário)

Um dos seus últimos actos, foi a assinatura de um contrato para a reedição, pelo Círculo de Leitores, da antologia Vinte Anos de Poesia.

Havia inúmeras garrafas de gin espalhadas pela sala.

Um vulcão de afectividade como lhe chamou esse outro vulcão que foi Natália Correia.

Um ser humano admirável no dizer de José Saramago

Através de um sobescrito lacrado consegui chegar à TV. De dentro do sobescrito saíu a Desfolhada e, sobretudo dois versos que escandalizaram a burguesia: Quem faz um filho fá-lo por gosto.

Quando o Joaquim Pessoa alertou-o para o facto de estar sempre a beber gin, que deveria por isso, ter o fígado mais que sofrido, teve esta resposta: «Cala-te, tu queres é que eu morra para ficares sozinho. Seres tu o poeta do povo. Mas fica sabendo que, quando eu morrer, vai ser em glória. Vai a classe operária toda ao meu funeral e eu, sentado no muro do cemitério, a vê-los passar.
(Em Ary dos Santos – O Homem, O Poeta, O Publicitário de Alberto Bemfeita).

Foi uma enorme manifestação de pesar.

Título de O Diário:

Nunca um Poeta teve um funeral assim.

Foi a assistir ao funeral de Ary dos Santos que Luiz Pacheco decide ser militante do Partido Comunista:

É porque é giro, um gajo morre e vai lá com abandeira no caixão. É que eu tinha visto o enterro do Ary dos Santos a subir a Morais Soares, com eles aos gritos – Ary, amigo, o Partido está contigo! – e pensei: «Isto é o que me convém, porra!» Pagam-me o enterro, pagam-me o caixão e levo a bandeira que me deixa aconchegado. Sabe, é que eu um sou um gajo muito friorento.

(Luiz Pacheco, em entrevista na revista Ler, Verão de 1995, citado de O Crocodilo que Voa de João Pedro George).

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado      não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é seu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já se não fala
‑ é tão vulgar que nos cansa
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
‑ a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
‑ Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
‑ Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
demagogo       mau profeta
falso médico       ladrão
prostituta       proxeneta
espoleta       televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!


José Carlos Ary dos Santos em Resumo

Sem comentários: