quinta-feira, 3 de novembro de 2016

FESTA DE SÁBADO À NOITE EM SPRINGFIELD


Há em Springfield uma pequena estação de rádio em FM que nas noites de sábado, das seis à meia-noite, pões de lado a habitual programação clássica e transmite música de big-band nas primeiras horas e depois, mais tarde, jazz. Do meu lado da montanha só ouvimos estática quando sintonizamos essa frequência, mas na encosta onde Coleman vive a recepção é boa e, nas ocasiões em que ele me convidava para tomar uma bebida, aos sábados, todas aquelas delicodoces melodias de dança que os miúdos da nossa geração ouviam continuadamente no rádio e tocavam nas jukeboxes, nos anos 40, me chegavam aos ouvidos, vindas de sua casa, assim que me apeava do carro no seu caminho de acesso. Ele ouvia-as no volume máximo, não só no aparelho estereofónico da sala mas também no rádio ao lado da cama, no rádio ao lado do chuveiro e no rádio ao lado doa caixa do pão, na cozinha. Fosse o que fosse qu estivesse a afazer em casa aos sábados à noite, e até a estação encerrar à meia-noite – depois dos trinta minutos rituais de Benny Goodman -, não estava um minuto sequer fora do alcance auditivo dos aparelhos.
Curiosamente, dizia, nenhuma da música séria que ouvira durante toda a sua vida adulta lhe tocara na corda sensível da emoção do modo que a avelha música de swing lhe tocava agora: «Tudo o que há de estóico dentro de mim se solta e o desejo de não morrer, de nunca morrer, é quase demasiado grande para ser suportável. E tudo isto», explicava, «por ouvir Vaughn Monroe.»
Havia noites em que cada verso de cada canção assumia um significado tão estranhamente momentosos que ele acabava a dançar sozinho o fozetrote arrastado, leve, repetitivo, banal e, contudo, maravilhosamente útil para criar ambiente que costumava dançar com as raparigas do liceu de East Orange, contra as quais comprimia, através das calças, as suas primeiras erecções significativas. E, enquanto dançava, nada do que sentia, disse-me era simulado, nem o terror (da extinção) nem o êxtase (das palavras «You sigh, the song begins. You speak, and I hear violins«). As lágrimas caíam todas espontaneamente,  por muito que pudesse surpreendê-lo a pouca resitência que tinha a Helen O’ Connell e a Bob Eberly cantando alternadamente os veros de «Green Eyes», por muito que pudesse maravilhá-lo o condão de Jimmy e Tommy Dorsey para o transformarem no género de velho vulnerável que nunca julgara poder vir a ser. «Mas deixem alguém nascido em 1926». Dizia, «tentar ficar sozinho em casa num sábado à noite, em 1998, e ouvir Dick Haynes cantar “Those Little White Lies”. Deixem-nos fazer isso e deixem-nos dizer-me, depois, s não compreenderam finalmente a famosa doutrina da catarse desencadeada pela tragédia.»

Philip Roth em A Mancha Humana

Legenda: Helen Forrest com a Orquestra de Harry James

Sem comentários: