quinta-feira, 3 de novembro de 2016

SAUDADES DA RÁDIO


A rádio está associada à minha vida.

Quando havia programas de autor e a ditadura das «play-list» não tinha entrado portas adentro.

Nos primeiros meses de 1980, joâo David Nunes ainda podia dizer:

Acho que alguma da Rádio que já se vai fazendo, neste momento, em Portugal, não nos deixa muito envergonhados em relação à Rádio que se faz lá fora.

Há dias, morreu Jaime Fernandes, um dos homens dessa rádio de autor.

Numa entrevista ao Jornal de Notícias, Janeiro de 2011, José Duarte falava de um dos seus programas de assinalável êxito na rádio: A Menina Dança?

Fui convidado por Jaime Fernandes. Trabalhávamos na Rádio Comercial. Tinha eu escrito um texto para "O Jornal" sobre Irving Berlin, grande compositor norte-americano". Jaime Fernandes gostou e ficou admirado de meu saber sobre aquela música. Convidou-me para fazer um programa sobre "standards". Inventei então "a menina dança?" que é um programa semanal dedicado a grandes nomes vocais da música norte-americana e a grandes compositores do "American Song Book".

O texto que se segue julgo pertencer a uma qualquer crítica ou sinopse do programa:

Tudo acontece num salão de uma sociedade recreativa. É um baile ao som de canções. Como as canções devem ser: cheias de «swing», a puxar o pé para a dança. Ouvem-se os «crooners» ou  - Bing Crosby, Dean Martin, Tony Bennett – uns mais apaixonados, outros menos, ouvem-se outras vozes que fizeram as músicas da América. Ouve-se Sinatra e as suas histórias. Aos domingos à noite, quando a Menina encontra o seu par, são as grandes orquestras que se vocam, num qualquer baile de despedida; e são as histórias à margem do tempo que se relatam. O programa realizado por José Duarte podia ser o cenário para os «Dias da Rádio» de Woody Allen. Mas não é. No que diz respeito a rádio, vai mais longe.


«A Menina Dança» oferece um dos mais eficazes exercícios do uso da linguagem radiofónica: diálogos a uma voz definem cenários; afastam e atraem. Informam. E fzem com que a menina, de facto, exista. Ela é a personagem que ganha forma, a cada instante. Do desconhecimento da música passa ao espanto; e deste, ao saborear da descoberta. Mas isso não lhe basta: a Menina «trova s voltas», comanda o jogo e, às vezes, transforma num inferno a vida do seu par: a Menina torce um pé, a Menina pinta o cabelo de louro. A Menina é a Gata Borralheira que parte à meia-noite, abandonando o seu par.

A menina, mais as suas danças, deixaram-nos a 30 de Dezembro de 2012.

Não vivíamos para ouvir rádio. Somente para melhorar essa vida.

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