domingo, 28 de outubro de 2018

SARAMAGUEANDO


«A minha Lisboa foi sempre uma Lisboa de bairros pobres, quando muito remediados, e se as circunstâncias me levaram, mais tarde, a viver noutros ambientes, a memória mais grata e mais ciosamente defendida foi sempre a de Lisboa a da Lisboa dos meus primeiros anos, a Lisboa da gente de pouco ter e pouco sentir, ainda rural nos costumes e na ideia que fazia do mundo»

José Saramago em Cadernos de Lanzarote, II Volume.

Razões existirão – cada um com a sua! – para que os leitores, a crítica teça loas aos romances, e outros livros, de Saramago e torça o nariz aos diários escritos em Lanzarote.

Este é o segundo volume, publicado em Março de 1995 e referente ao ano de 1994.

Entrada escrita no dia 28 de Fevereiro:

«Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir.»

A 1 de Dezembro palavras sobre a morte De Fernando Lopes Graça:

«Morreu o querido Graça, o amigo do coração, o camarada fidelíssimo e leal. Tudo isso acabou. Sim, já sei, a recordação, a memória, a saudade, a lembrança. Essas coisas duram, de facto, mas porque duram, cansam. Um dia destes a evocação de Lopes-Graça só causará uma leve mágoa, que disfarçaremos contando uma das sua mil vezes repetidas anedotas. Buscaremos então o Graça onde ele verdadeiramente sempre esteve: nos seus livros, de uma linguagem puríssima que poderia servir de lição a escritores, principiando por este; nos seus discos, mas também nas salas de concerto, que não lhe abriram tanto quanto deveriam enquanto viveu. O homem acabou, não podemos pedir-lhe mais nada, mas a obra aí ficou, à espera do que sejamos capazes de pedir a nós próprios. O justo juízo vem sempre depois, quase sempre tarde de mais. Talvez seja essa a causa do amargor de boca que sinto ao terminar estas linhas.»

Legenda: capa de Cadernos de Lanzarote II Volume publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de José Santa-Bárbara.

Sem comentários: