domingo, 21 de fevereiro de 2021

HISTÓRIAS QUE REMETEM PARA A INFÂNCIA

Tem um grande fascínio por comboios, por estações de caminho-de-ferro, verdadeiros lugares da memória.

O Eduardo Prado Coelho disse que as histórias de comboios remetem sempre para a infância.

Há uma fotografia, não a encontra, que mostra Mário Soares e Maria Barroso, após o 25 de Abril, a regressarem do exílio de comboio. Santa Apolónia era um mar de gente.

Anna Karenina atira-se para debaixo de um comboio, não como fim da sua desgraça, mas como continuação do seu destino.

Agustina Bessa-Luís, em As Estações da Vida, explica: «O seu suicídio, quase automática. Ao lançar-se diante do comboio que avança ma linha, é ainda um modo de ligação com o amante. Ela exerce o seu direito de intervenção já quando a paixão está condenada. Porquê o comboio? Porque ele sugere viagem, fuga, fadiga sob um ângulo de distracção e esquecimento.»

Tolstoi fez de um comboio o seu caixão, morrendo na estação de Astapovo.

A grande viagem de comboio de Lenine, destinada a mudar o mundo, iniciou-se a 9 de Abril de 1917, e durante oito dias preparou a revolução.

Aqueles enormes comboios de mercadorias que percorrem a América profunda, que passam lentamente e onde vagabundos, malta diversa andam à boleia.

 «Durante a depressão eu costumava viajar em comboios de carga pelo menos uma vez por mês. Nesses dias podia ver-se uma centena de homens num vagão, aberto ou fechado, e não eram só vagabundos, mas toda a espécie de desempregados, que iam de um lado para o outro, alguns deles só a vadiar.»

Jack Kerouac em Pela Estrada Fora

No Sweet and Lowdown, filme do WoodyAllen, o Sean Penn enternece-se a ver passar comboios.

O pintor belga Paul Delvaux gostaria de ter sido chefe de estação.

Inveja o anão, apaixonado por comboios, de A Estação, um comovente filme de Thomas McCarthy, que recebe, como herança, um pedaço de terra, em nenhures, que tem uma esquecida estação de comboios e que trabalha numa pequena loja onde desaguam os entusiastas-apaixonados-obessessivos dos caminhos de ferro, que sabem tudo sobre comboios, que podem fazer centenas de quilómetros para tirarem uma fotografia a uma locomotiva, a uma carruagem. 

Finbar já ouviu todas as piadas e observações sobre o seu aspecto físico, apenas quer que o deixem em paz. Durante quanto tempo conseguimos não estar sozinhos? É um prazer raro alguém apenas falar quando o quer fazer. É a solidão que ele procura indo viver para estação desativada que lhe calhou como herança. Não o consegue de todo.

Talvez porque tudo anda ligado, despede-se, por hoje, dos comboios e faz uma incursão pelo livrinho do Eduardo Guerra Carneiro:

«Um pequeno bar junto à estação de Nelas. Verão de 1964, Uma íntima sensação de liberdade (penso nas abelhas). Uma rapariga tão dourada ao longe. Outra vez a estação libertadora, um respirar mais fundo, sorri, segurei uma das tuas mãos, entrámos pouco depois no bar da estação de Nelas. Sim, isto foi serenidade!»

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