sábado, 6 de fevereiro de 2021

CONVERSANDO


Numa das minhas idas em trabalho a Hamburgo, nas «jukes boxes» dos bares do porto, estava na berra uma canção do Chris Rea «Looking for the Summer», apanhar o comboio, passar pela Primavera, o desejo de voar longe, mas agora é Inverno e do disco, que comprei na altura, não sei que destino levou, também nunca mais ouvi falar de Chris Rea, acho que foi autor de uma só canção, talvez duas…talvez três…

O Fernando Pessoa dizia que vivemos da memória, o Álvaro Guerra perguntava «que outra coisa se pode fazer numa terra de poetas senão navegar inseguramente com as palavras e com a memória da memória das palavras?» quando nasci, ouvi contar muitas vezes, que ao cair no mundo, a minha avó tinha ao lume, uma esplêndida galinha, a canja para a minha mãe comer após os trabalhos de parto, o cheiro delicioso que naquela casa da Mestre António Martins devia acariciar as paredes, ainda mais porque a minha avó acrescentava sempre à canja um robusto ramo de hortelã e, mais tarde, dizia-me para nunca me esquecer da hortelã na canja. O meu pai, esse acrescentava um bom golo de vinho tinto e a isso nunca me consegui habituar.

Disso de nascer em casa, contei aos netos mais velhos e eles espantaram-se, «como é que se nasce em casa?», donde talvez o mesmo espanto no dia em que passaram a saber que o leite vinha das vacas e não dos pacotes TetraPak.

Tempo de confinamento.

Dois seres arrastam-se pela casa, trocam umas palavras, quase sempre as mesmas, não há os gritos nem as gargalhadas dos netos, ouve-se música, olham-se os livros, mais ou menos de três em três dias, o cheiro do bolo de laranja, outras vezes limão, a Aida diz que vai colocar aqui no Cais a receita simples de um bolo delicioso, que acompanha o chá depois dos filmes da sessão da meia-noite e lá em cima, a fotografia do pôr-do-sol de quinta-feira que conseguiu furar as nuvens, que há uns quinze dias navegam pelo céu de Lisboa.


Sem comentários: