domingo, 31 de agosto de 2025

NESTE DIA


A ideia era interessante para a rubrica NESTE DIA, mas não estava a funcionar muito bem por, na escolha do dia e do ano, existirem limitações.

A partir de amanhã, manteremos o título, mas a escolha recairá, não no dia, nem no ano, mas em temas, personalidades, em que os autores dos Diários, existentes na  Biblioteca da Casa, se envolveram e nos deixaram para que os conhecêssemos.

Por hoje, trazemos a introdução que Mécia de Sena fez para os Diários de Jorge de Sena, publicados em 2004 pelas Edições Caixotim.




QUOTIDIANOS


 A notícia pertence ao Jornal de Notícias:

«Um homem com cerca de 30 anos foi baleado, na manhã deste domingo, por outro, que se pôs em fuga, na sequência de uma discussão devido a um lugar de estacionamento, em Leça da Palmeira, no concelho de Matosinhos.

O quotidiano das cidades está a transformar-se numa violência completamente estúpida.

Por uma qualquer discussão de lana-caprina, puxa-se de uma pistola e tenta-se matar uma pessoa.

Colaboração de Aida Santos

OLHAR AS CAPAS


As Filhas de Loth

Bento da Cruz

Capa: Armando Alves

Editorial Labirinto, Lisboa 1988

-Este ano estamos mal com as batatas.

-Olhai que é uma desgraça.

- A como se vendem?

- Sete… oito… nove tostões.

- Dadas.

- E ninguém as procura.

- Quilhedela assim.

- Vamos ter de as levar ao grémio.

Prefiro deitá-las ao gado.

O gado também está de rastos.

- O lavrador não pode viver

- Se o governo não olha por isto.

O grande mal são os intermediários. As batatas vendem-se em Lisboa e bo Porto a dois escudos. Se houvesse justiça nesta malfadada terra…

sábado, 30 de agosto de 2025

NESTE DIA


Neste dia, no ano de 1983, Vergílio Ferreira acabou a leitura dos Cahiers de Jean-Paul Sartre e manifesta, numa longa entrada, a surpresa de quase no fim dos Cahiers, Sartre gaste páginas e páginas a demonstrar a impossibilidade de Deus e e de Deus criador, algo que já não seduz ninguém.

São interessantes as observações.

Sabemos que Vergílio Ferreira sempre se interessou por Sartre, que deixou expresso que o Existencialismo é um Humanismo mas está, hoje, muito calor e seguiremos, antes, as breves notas que Vergílio Ferreira , fora de Sartre, neste mesmo dia, deixou no 4º Volume da sua Conta-Corrente.

vés dos milénios. Esse ser miraculosos, na vertigem dos acasos, és tu.

Legenda. Contra-capa de O Existencialismo é um Humanismo

NOTÍCIAS DO CIRCO

 O Governo faz questão em celebrar o 25 de Novembro e faz muito bem. Foi uma data importante. Assinalou o fim de um combate ideológico e político que poderia ter descambado numa guerra civil. O PS e Mário Soares foram os grandes vencedores, a par de militares como Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat ou Vítor Crespo. Foi a estratégia, a coragem e a mobilização dos socialistas e daqueles militares que permitiram conter uma escalada de ‘esquerdização’ soviética do regime. O resto foi tudo atrás. Mas esses protagonistas amavam o 25 de Abril, que acabou com o fascismo, com a guerra colonial, devolveu a liberdade individual e coletiva, libertou as mulheres de uma subalternidade inadmissível, abriu caminho para robustecer a escola pública. Os protagonistas de hoje nesse fervor celebrativo ‘novembrista’, como o ministro da Defesa e alguns apaniguados oriundos dessa inutilidade política em que se transformou o CDS, mas não só, também do PSD, são apenas pessoas ressentidas com o 25 de Abril. Que o odeiam. São uma espécie de Venturas envergonhados. Querem aumentar uma data por diminuição da outra. Não têm a dimensão dos homens e mulheres de então, que abriram os horizontes do País com esperança, solidariedade, liberdade, democracia, valores éticos e sociais. Estes, na verdade, são apenas pessoas que não gostam do 25 de Abril. Numa dimensão mesquinha, vingativa e ressentida.

Eduardo Dâmaso      



sexta-feira, 29 de agosto de 2025

NESTE DIA


Neste dia, do ano de 1967, José Gomes Ferreira cumpria o signo diário de ler jornais, e indignava-se:


NOTÍCIAS DO CIRCO

O candidato a presidente da república, e ex-Almirante da Marinha portuguesa, criticou Marcelo Rebelo de Sousa pelas suas declarações na Universidade do PSD em Castelo de Vide:

«O Presidente não deve fazer comentários pessoais ou de índole pessoal, porque representa o Estado português, e nós somos um Estado aliado do Estado norte-americano».

Marcelo classificou Donald Trump como “activo soviético”, algo que se vai dizendo pelos cafés em qualquer parte do mundo.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


 Esta é a parte muito positiva das presidências de Marcelo Rebelo de Sousa.

OU ISTO OU AQUILO

 Ou se tem chuva e não se tem sol,

ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

Cecília Meireles

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

NOTÍCIAS DO CIRCO

«Naquela que pode ser considerada uma vitória política do CDS, o Governo aprovou a criação de uma comissão para comemorar os 50 anos do 25 de Novembro. Caberá ao ministro da Defesa, Nuno Melo, designar quem vai presidir a esta comissão, que deverá ser “apartidária” e cujas funções só terminarão em Maio do próximo ano. Além desta comissão, na ressaca dos grandes incêndios das últimas semanas, o Conselho de Ministros também já tomou decisões a pensar em futuros fenómenos meteorológicos extremos.

O Estado cumprirá a sua obrigação em relação a uma data que é fundamental para a consolidação da democracia e da liberdade em Portugal”, afirmou Nuno Melo no final da reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, prometendo uma comissão que será composta por nove elementos, três dos quais designados pelo presidente da Assembleia da República (ouvidos os grupos parlamentares), outro pela ministra da Cultura e ainda pelo director-geral de Política da Defesa Nacional, o presidente da Comissão Portuguesa de História Militar e representantes da Sociedade Histórica da Independência Nacional e da Associação de Comandos.»

Notícia do Público de hoje.

Quando é que esta gentes da direita agarram um bocadinho que seja de juízo?

NESTE DIA


Neste dia, 28 de Agosto de 1995, José Saramago acaba de escrever uma carta a Susan Sontag,  premiada escritora, ensaísta, cineasta, filósofa, professora, crítica de arte e activista dos Estados Unidos.

É riquíssima a correspondência que Saramago manteve com os seus pares e com os milhares de leitores. Até hoje, a Fundação José Saramago ainda não encetou a publicação destas correspondências que são de um valor transcendente.

Desconheço o porquê e estou velho para lhe bater à porta e saber das razões.

Hélas!

OLHAR AS CAPAS

Tempo de Cinzas

Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Alfredo Martins

Capa: Alfredo Martins

Editora Ulisseia, Lisboa, Julho de 1968

Nesta Paris de Agosto, quase deserta de parisienses, com os «beatnicks» de longa cabeleira de estopo e brinco à pirata na orelha a soletrarem de noite as estrelas nos cais do Sena ou a dançarem freneticamente o «jerk» no «Bus Palladium, ainda reina a mini-saia nos Campos Elísios e o povo continua a escrever frases acesas contra  a intervenção americana no Vietname.

À LUPA

A Lupa passou pela Antologia do Esquecimento de hmbf e registou:

«Alguém explique ao André Ventura, por favor, que Portugal não se esgota nos 1.437.881 eleitores que votaram Chega. Há 9.412.334 que não votaram Chega. Obrigado.»

NOS TEUS OUVIDOS

 Nos teus ouvidos isto explode

de amor, palavra ampola sob

os astros funcionando abril à boca das cidades, dos

imperturbáveis muros aos quais as crianças

que de cristais nos punhos acontecem passam,

seus chapéus brevíssimos, os indícios

de nada, o modo de ler, de acender um texto

de amor nos ouvidos, isto explode e entra

nesta página o mar da minha infância, meigo

no modo de lembrá-lo, lê-lo, de acender

de carícias um texto na memória. De astros

as ruas eram cheias que os cuspiam hoje

na minha mãe de outrora, nas crianças de água, nos

pensamentos nenhuns que eu punha em seus joelhos, em

seus amáveis joelhos a que os astros acorriam,

minha mãe que arranco ao sono, às areias virgens

das palavras, que amanhecido eu gero, as mãos

tão de repente em pânico nos muros.

Luís Miguel Nava em Poesia

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

OLHAR AS CAPAS

Marés de Mar

Luísa Dacosta
Capa e Ilustração: Luís Filipe Cunha

Parque Expo 98, Lisboa Maio de 1997

De que cor é este mar, nunca igual e sempre diferente, de ritmos vários, cadenciado como o bater certo dos remos, inquieto como a ansiedade dos que trazem os afectos sobre as ondas, fervente como um cachão raivosos, quieto, quieto, marginado pela linha, rubra, do crepúsculo? De que cor é este mar, onde se miram nuvens e gaivotas, onde se esfriam e se apagam as estrelas da madrugada.

Azul. Azul, como o manto das imagens milagrosas. Azul, como o olhar perdido dos náufragos. Azul da cor da noite. Verde fel. Verde da cor dos limos, Verde da cor dos barcos. Loiro cor de areia, das tranças e do cordame, Ferrugem, cor das âncoras e das redes. Castanho cor do sargaço. Palhetado de sol e luz. Irisado, como as escamas dos peixes. Rosa, com certas algas e corais, como a garridice das blusas em dias festivos. Rosa, como as flores de papel do altar do padroeiro. Vermelho da cor das guelras. Sanguíneo. Violáceo, cor de tinta. Roxo, como uma quaresma líquida. Cinzento. Brumosos de névoa e mistério. Metálico, como uma roda de navalhas. Branco de sal e espuma. Branco da cor das velas. Negro, como as faixas das mulheres e o luto das viúvas. Sem cor, como a angústia das que não Têm sequer um cadáver para velar.

À LUPA


 Os fogos são uma tragédia que se estendem a negócios vários. 

Alguns completamente desconhecidos.

A Lupa debruçou-se sobre o Editorial do Público, assinado por Sónia Sapage:
https://www.publico.pt/2025/08/26/opiniao/editorial/fogo-negocio-claro-sim-2145013
«Um dos negócios mais evidentes, e que se presta a confusões, é o dos meios aéreos de combate a incêndios. Quando o Estado tem de contratar empresas privadas para disponibilizar aviões e helicópteros, pagando quantias elevadas pela sua disponibilidade e horas de voo, é óbvio que, para essas empresas, quanto mais incêndios ocorrerem, maior é a procura pelos seus serviços.»

SE UM DIA A JUVENTUDE VOLTASSE

se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição


Al Berto de Rumor dos Fogos em O Medo 

terça-feira, 26 de agosto de 2025

NOTÍCIAS DO CIRCO

Isabel Pires de Lima deixa presidência de Serralves por falta de “confiança institucional”, noticia o Público.

Apenas oito meses depois de ter sido designada como presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, a 31 de Dezembro de 2024, a académica e ex-ministra da Cultura Isabel Pires de Lima renuncia ao cargo “com efeitos imediatos”.

A agora ex-presidente diz que estas declarações têm a ver, sobretudo, com “pressões” de carácter político-social decorrentes do contexto actual. “Há um quadro internacional que claramente tende a desestabilizar a arte que incomoda e Serralves poderá estar, neste momento, sujeita a pressões de carácter social que a afastem da perspectiva que veiculo”, aponta. “É particularmente importante Serralves afirmar-se, hoje, como um espaço de liberdade criativa que gera liberdade de expressão.”

Comentário de PRKapa, leitor do Público:

«O trumpismo PSDisdta está descontrolado: querem sanear todos os que não sejam por eles nomeados, para substitui-los por apparatchiks e para isso não olham a meios. As recentes "reformas", cosméticas organizacionais, visam tb criar as condições para novos cargos e novas nomeações, ao mesmo tempo que mercantilizam e desfiguram o estado. Já não é preciso o Chega para tamanho despudor, manhas e falcatruas, já que o seu incubador, o PSD e LM são já a face visível deste ataque à democracia e à tentativa de a desfigurar e esvaziar. Estes lorpas, incompetentes mas "chico-espertos" nunca deviam ter chegado ao poder, pois de tão ordinários e arrogantes, julgam-se os donos disto tudo e andam a tentar fazer aqui, o que fazem na Madeira.»

MARCADORES DE LIVROS


 Colaboração de Aida Santos.

NESTE DIA


Se eu desabafasse uma vez? Não vou desabafar, mas por favor não me desafiem mais a paciência.

O que terá irritado Vergílio Ferreira?

Não sabemos.

Em 1979 passa as suas férias em Fontanelas. Na véspera do dia que adiante abordaremos, foi à praia e não tomou banho: vento frio, mar revolto.

Mas neste dia, encontramo-lo a filosofar.

OLHAR AS CAPAS

O Diabo e o Bom Deus

Jean-Paul Sartre

Tradução: Gabriela Alves Neves

Capa: Luiz Duran

Colecção Unibolso nº 111

Editores Associados, Lisboa s/d

Não, não! Nada de pormenores! Sobretudo nada de pormenores. Uma vitória contada em pormenor, já nem se sabe o que a distingue duma derrota. Mas é realmente uma vitória, ao menos?

ALGUÉM LENDO VERSOS DE JORGE DE SENA

Era um poema feito.
Mas tu tecias
novas linhas
com a palavra
aranha sedutora
visando paciente
a mosca
do ouvido.

Era um poema célere.
Molhado pela água
turva
das lembranças.
Mas com ele regavas
as raízes vivas
que te cresciam
na boca.

Figura frágil
onde o poema subia
para os ombros
a medo
como uma criança.

A tua língua
clara
de pedreiro cansado
unia
lentamente
os versos que todos habitamos.

 

Armando Silva Carvalho em Os Ovos d’Oiro

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

NESTE DIA


Neste dia, no ano de 1970, Miguel Torga está em Lião, e vive o drama da nossa emigração que se espalhou por França, pela Alemanha, pelo Brasil, pela América.

Sim, fomos um país de emigrantes, tão mal recebidos, vivendo uma vida miserável, fazendo trabalhos que os povos dos países que nos «receberam», não queriam fazer…

O OUTRO LADO DAS CAPAS

Chegámos ao derradeiro volume da colecção sobre o 25 de Abril que o Público, durante 10 meses andou a publicar.

Chama-se OÚltimo Dia da PIDE (26 de Abril no Porto).

Publicado em Outubro de 1974, O Último Dia da PIDE: 26 de Abril no Porto reúne um conjunto de fotografias de António Amorim, obtidas logo após o 25 de Abril. «As imagens da PIDE-DGS no Porto estão indissoluvelmente ligadas a tantos vivos e mortos que ali foram torturados. E será com a trágica recordação dessas imagens que o povo português saberá dizer não ao fascismo. O fascismo não voltará a Portugal. O fascismo não passará», escreve Raul Castro no prefácio do livro, que conta ainda com poemas de Orlando da Costa, Luís Veiga Leitão, Egito Gonçalves, Fernando J. B. Martinho, Fernando Assis Pacheco, João Rui de Sousa, Daniel Filipe, Papiano Carlos e Luísa Ducla Soares, e depoimentos de ex-presos políticos.

Há quem não saiba o que foi o 25 de Abril, há quem não saiba o que foi a Pide.

Esta Colecção ajuda a que se possa voltar a um tempo de desespero, depois a um tempo em que a esperança percorreu as ruas e praças do país.

O que éramos?

O poeta Fernando Assis Pacheco, no poema A Minha Geração, escrito em 1963, recorda o que foi esse tempo:


A minha geração é de esperança,

de trabalho e esperança, e de canções difíceis.

A minha geração escreve poemas

com o mesmo suor que ao calceteiro

corre da fronte, quando martela a rua.

 

Não deveis enganar-vos: cada verso

tem um selo fraterno caminhando

para a branca cidade sob o sol.


OLHAR AS CAPAS


O Último Dia da Pide (26 de Abril no Porto)

Prefácio: Raul Castro

Edição do Movimento Democrático no Porto

Colecção 25 de Abril Os Dias da Revolução nº 9

Edição fac-simile A Bela e o Monstro/Rapsódia Final/Jornal Público, Lisboa Agosto de 2025

 Naquele sinistro casarão, que faz esquina da Rua do Heroísmo com o Largo de Soares dos Reis (agora Largo de Catarina Eufêmia), e onde muitas pessoas mudavam de passeio para se afastarem da sua proximidade, funcionou, durante longos anos, a Delegação no Porto da PIDE, a que Marcelo Caetano, numa mera mudança de designação, passou a chamar DGS. A PfDE-DGS do Porto tinha duas entradas : uma pelo Largo de Soares dos Reis, com escadas de passadeira e contínuos fardados, era a entrada para «inglês ver», a entrada «oficial», onde eram atendidos os que ali eram chamados ou iam tratar de qualquer problema de passaportes, nomeadamente os estrangeiros; a outra era a face real da PIDE, na Rua do Heroísmo (e nunca o nome de uma rua foi tanto o símbolo dos que lá entravam e conseguiam resistir às torturas), um portão de ferro, com uma pequena porta de entrada, a dois palmos do chão, que só se abria para deixar entrar os presos ou os seus familiares, que os iam visitar, e que estabelecia contacto com o átrio de acesso às prisões (celas, quartos e salas) e ao curto lanço de escadas de acesso, pelo lado real, do edifício onde funcionavam todos os departamentos da PIDE-DGS, desde as salas de escuta telefónica e gravações, até aos gabinetes dos chefes, inspectores e director, e àqueles, no último andar, onde os presos eram interrogados e torturados. Quem entrava pela escada de passadeira do Largo de Soares dos Reis, e assim não passava desta parte do edifício, nunca podia fazer ideia de tudo aquilo que constituía a verdadeira PIDE, e que estava para lá daquela fachada. Esta série de fotografias da Delegação no Porto da PIDE-DGS, obtidas logo após o 25 de Abril, desde a complicada aparelhagem de escuta telefónica e gravação, os montes de livros apreendidos, as pastas de processos individuais, que vão até ao número 53067, o enorme ficheiro de 80 gavetas, o parlatório das visitas, o arsenal de armas amontoadas, o luxo do gabinete do director contrastando com a pobreza rudimentar das saias dos presos, até aos relatórios, meio calcinados, de gravações telefónicas, o envelope apreendido duma carta, agentes da PIDE-DGS ocultando as caras, já conduzidos sob prisão, a alegria da saída dos presos e a essa extraordinária imagem de um soldado erguendo um ramo de cravos no meio da alegria de milhares de populares, que, até à hora da rendição da PIDE, apoiaram as Forças Armadas, estando sempre a seu lado, constituem imagens que se não podem esquecer. Sem serem tudo o que era a sede da PIDE no Porto — basta lembrar a falta de fotografias das celas subterrâneas onde os presos, às escuras ou com a escassa luz dos estreitos postigos gradeados à altura das pernas de quem passava na Rua do Heroísmo, cumpriam longos períodos da chamada incomunicabilidade, com um balde a substituir as funções de retrete, constituem, porém, um primeiro documentário sobre as instalações da PIDE-DGS que ilustra os brutais e maquiavélicos métodos de actuação desta polícia do fascismo português, que foi um dos seus órgãos fundamentais para a implantação e a sobrevivência do regime de domínio violento das mais reaccionárias camadas do grande capital monopolista sobre o povo português, durante quarenta e oito anos.

 (Do Prefácio de 

COMO QUEM REGRESSA AO PAÍS DA SUA INFÂNCIA

Voltamos às pedras deste Cais.

Sim, eu sei: estou a ficar velho.

Como estou velho, repito-me ou apetece-me repetir, e volto a lembrar Mário Castrim.

Foi a grande bússola da crítica de televisão neste nosso país.

Começou a fazer crítica de televisão, no Diário de Lisboa, em 14 de Maio de 1965.

Nos tempos da ditadura, a malta encontrava-se nos cafés e quando algum chegava, a primeira pergunta não variava muito: «Já leste o Castrim?»

Quase quarenta anos a fazer crítica de televisão.

Em 1990, Fernando Assis Pacheco calculou que Mário Castrim já passara 17 mil horas frente ao televisor. Em Outubro de 2002, tempo da sua morte, as contas foram calculadas em 70 mil horas.

A censura, diariamente, esquartejava-lhe a prosa.

Mesmo assim, um dia, entenderam que o homem estava a ir longe de mais e proibiram o «Canal da Crítica»

Proveniente de todos os quadrantes, levantou-se um vendaval de protestos.

Outra coisa não restou às múmias ditatoriais, senão aceitarem o regresso de Mário Castrim.

Quando esse dia chegou, Castrim abriu com um lindíssimo texto.

Foi assim:

«Regresso. Comovido, como quem regressa ao país da sua infância. Ficou para trás a calma, o sono reencontrado, o silêncio por toda a casa. Ficou para trás a visita de amigos, a frescura da noite, o deambular descuidado. Ficou para trás o ser “como toda a gente”. E no entanto, este regresso, na sua felicidade perdida, tem o sabor de uma felicidade reencontrada. Vou de porta em porta apertando as mãos que se estendem, forte de uma grande família. Vou crucificar os olhos no fulgor violento do televisor. Vou, pelo túnel da noite, em perseguição das palavras úteis, ou necessárias, ou simplesmente possíveis. Difíceis sempre, arrancadas da carne a grande profundidade da pele. Palavras que seriam de amizade, a selar a presença vivida, revivida, de tantos rostos desconhecidos e atentos. Palavras de quem, regressando ao frio da noite, regressa também, a morosamente, ao país da sua infância, ao país do seu país.»

domingo, 17 de agosto de 2025

APENAS UM LEMBRETE

Com muita pena nossa, durante 7 dias, estaremos ausentes das pedras deste Cais.

Até lá!

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

 

O ciclo Os Anos de Ouro do Cinema Italiano, no Cinema Nimas, começou a 31 de Julho e termina a 3 de Setembro.

Se estiverem para aí virados, consultem aqui os filmes que ainda poderão ver.

Cinema Medeia Nimas - Lisboa

"O cinema italiano é uma tapeçaria rica de emoções, de arte e de contar histórias. Deu-nos filmes icónicos que moldaram a linguagem cinematográfica e continuam a inspirar gerações de cineastas."

Martin Scorsese

"O cinema italiano reflecte a alma do país. Capta a essência da cultura italiana, a sua energia vibrante e as suas tradições profundamente enraizadas. É um testemunho do poder de contar histórias."

Francis Ford Coppola

"A comédia italiana é um verdadeiro tesouro do cinema mundial. Tem uma mistura única de farsa, sátira e absurdo que mantém o público a rir enquanto oferece uma visão profunda da experiência humana."

Wes Anderson

Como podemos ver pelos depoimentos destes três grandes realizadores (e muitos mais, oriundos das mais diversas cinematografias poderíamos ter), o cinema italiano marcou e influenciou a história do cinema, no seu período áureo, que começou no pós-guerra e se prolongou ao longo de algumas décadas, dos anos quarenta aos setenta. De 31 de Julho a 3 de Setembro viajamos pelos “anos de ouro do cinema italiano”, com a exibição de 51 filmes, em cópias restauradas, alguns inéditos em sala, realizados por 16 cineastas que marcaram profundamente o nosso imaginário de espectadores, que criaram dezenas de obras-primas premiadas nos grandes festivais de cinema, que ganharam Óscares e que eram amadas pelo público. Como refere o crítico e curador Roberto Turigliatto, “existia nessa altura uma riqueza tal no cinema italiano que é muito difícil de reencontrar posteriormente. Era um dos grandes cinemas no mundo, quer em número de autores grandes e importantes, quer em capacidade de fazer um grande cinema popular de grande nível estético.”

MÚSICA PELA MANHÃ

Na segunda-feira, dia 11 de Agosto, deu-nos a loucura mansa de irmos ao Cinema Nimas ver o «1900», o poderoso filme de Bernardo Bertolucci.

São 5 horas e 17 minutos, com um intervalo de 10 minutos, entre o 1º e o 2º filme.

Noite maravilhosa e a surpresa de uma ligeira espantação de ainda existir cabedal para assistirmos a uma maratona destas.

Como observação apenas o mau estado de algumas das cadeiras do Nimas, que perderam a parte almofadada, as nádegas assentes em suma-pau, fazendo lembrar os últimos tempos do lendário Cinema King em que tudo, ou quase, começou a ficar decrépito.

A música desta manhã sai da banda sonora do filme, concebida pelo enorme Enio Morricone.

A canção é o tema do filme, apenas porque Herbert Pagani, que escreveu o poema, com a aprovação de Morricone, assim o entendeu, pois no filme nunca a ouvimos. Um pouco com aconteceu com o tema de Era Uma vez no Oeste, de Sergio Leone, também com a aprovação de Enio Morricone, em que Dulce Pontes, aparece a cantar algo a que chamou Amor a Portugal.

«1900»

Nascemos no mesmo dia, meu irmão
Herdámos os dois a mesma terra
Para mim a palha, para ti os lençóis de linho
Já nos tinham traçado dois caminhos.

Cada um partia para os campos, meu irmão
Para quem os frutos e para quem a miséria
A tua terra amassei-a como quem amassa o pão
Cada sulco está gravado nas minhas mãos.

Um dia precisei de partir para a guerra
Arriscando a vida para defender a terra
Parti escravo, mas regresso livre
Sabendo que cada espiga de trigo me pertence.

Doce planície com quem vêm fazem amor
Todos juntos sob o sol
Doce planície num turbilhão de abelhas
Em ti os teus filhos farão outros filhos.

Das colinas descem as bandeiras
Em direcção às mulheres e às casas
O vinho tinto faz rebentar os tonéis
Salpicando a noite com mil canções.

De que lado queres ficar, meu irmão
Queres a paz ou queres a guerra
Se a tua terra é a minha terra

Se o teu sangue é o meu sangue
Deixa os teus e junta-te às nossas fileiras.


NESTE DIA


Neste Dia, desde a Dinamarca, José Saramago teve um assunto para o qual não alimentou grandes, ou algumas, expectativas: Europa.

Sempre alertou para as ameaças que se projectavam sobre as entidades nacionais.

«Sou um europeu céptico que aprendeu todo o seu cepticismo com uma professora chamada Europa.»

Mais drástico:

«Nada temos a ver com a Europa!»

Neste dia, no ano de 1997, delicia-se com uma notícia vinda da Dinamarca:

MAR CÃO


 «A morte no Mar é uma morte antiga, uma morte ancestral, uma morte que mexe na nossa memória de povo que já foi de marinheiro e pescadores. Nas vilas e nas cidades da costa, onde subsistem as últimas comunidades de pescadores, ela lá vem, todos os anos, com o seu gadanho, ceifar uns homens e uns miúdos que ganham a vida sempre no limiar do perigo, Lembrar-lhes do poder do mar, da frágil fronteira que dada barco tem com um fundo escuro e verde e branco e azul, belo de fora, belo de longe, terrível de perto. Mata os homens e deixa as mulheres de negro, com raiva ao mar. Mar cão.»

José Pacheco Pereira em Personalia

Legenda: imagem Tripadvisor, tirada daqui.

sábado, 16 de agosto de 2025

POSTAIS SEM SELO


 Há pessoas que ao partirem, mesmo sem que as tenha conhecido, deviam deixar-me a sua morada.

Para onde foram os finais das tardes de verão à beira-mar? Porquê tanta tristeza?

João Miguel Fernandes Jorge em O Próximo Outono

Legenda: Pintura de Manuel Amado

TRUMPALHADAS

O que (não) aconteceu em Anchorage, no Alaska.

Uma reunião que era para discutir o provável cessar-fogo na Ucrânia, demorou umas escassíssimas horas.

Mas como se pode discutir o que quer que seja quando uma dos personagens do terrível conflito, não está sentado à mesma mesa?

As expectativas anunciaram-se como altas.

Soube-se, rapidamente que aquilo iriam dar em Nada.

Pura propaganda!

Porque Putin não quer acabar com aquela guerra, Trump apenas luta por ser Nobel da Paz.

Há quem consiga vislumbrar que aqueles senhoritos planeiam uma guerra à mais ampla escala para se saber qual é o maior.

Leigh Turner, antigo embaixador britânico em Kiev, em tempo recente avisou:

«Tristemente, todas as indicações apontam para que Trump esteja a preparar a venda da Ucrânia.» 

NESTE DIA

Neste Dia, no ano de 1968, José Gomes Ferreira, no 5º volume dos seus Dias Comuns, a que chamou, Continuação do Sol, tem uma profunda e nostálgica citação em que todos os seus grandes amigos, todos aqueles participantes das tertúlias dos cafés lisboetas, vão a se lado, o Carlos de Oliveira, o Abelaira, o Mário Dionísio, o Nikias Skapinakis, o João José Cochofel, o Manuel Mendes, o António Ramos Rosa, o Lopes Graça e tantos e tantos, gente tão grande…

MÚSICA PELA MANHÃ

Quando surgiu a ideia da Música pela Manhã, fui desafiada para periodicamente colocar aqui uma canção. Na altura não tinha muito tempo, hoje a situação é um pouco diferente e aqui estou.

Como este Agosto tem sido um autêntico inferno, lembrei-me de uma canção que fugisse a estes calores. Lembrei-me de Tombe la Neige do Adamo mas acabei por me decidir pelas Canoas do Tejo do Carlos do Carmo.

Música e letra de Frederico de Brito.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

POSTAIS SEM SELO


Há fio da navalha. E a nossa vida é ir, pé ante pé, por esse fio. Mas, o que nos faz cair para o lado bom ou mau do fio da navalha? Que grão de areia ou leve sopro de vento nos balança para o lado do santo ou o lado do jagunço?

Manuel S. Fonseca na sua Página Negra

NESTE DIA

João César Monteiro termina o seu Diário Parisiense deitando contas à vida e concluindo que precisa de tirar umas férias.

«É preciso fazer qualquer coisa contra o medo.»



NOTÍCIAS DO CIRCO


 O Público recordou ontem que Luís Montenegro, líder da oposição, num governo de António Costa, não poupava nas críticas aos incêndios e à Saúde.

«O título é do PSD e surge numa publicação feita no site do partido, a 8 de Fevereiro de 2023, para criticar o Governo então liderado por António Costa. À data, Luís Montenegro – hoje primeiro-ministro – vestia o fato de líder da oposição e não poupava nas críticas feitas ao executivo socialista, em particular nestas duas áreas. Dois anos depois, são precisamente estas as pastas mais quentes do Governo de Luís Montenegro. Com cinco grandes incêndios a lavrar o país ― cenário que se repete há longas semanas, levando populações e bombeiros ao desespero ― o que mudou nas declarações de Montenegro sobre a resposta e combate aos incêndios agora que é primeiro-ministro?»

Sim, o que mudou?

No discurso do Pontal, incêndios e Saúde referidos ao voo do pássaro, mas, pelo meio, uma grande notícia que deixou a plateia, em delírio, a bater palmas:
«Temos tudo pronto para formalizar o regresso da Fórmula 1 ao Algarve em 2027»

Como ontem, dizia o Dudu:

«Deixem o Luís continuar a trabalhar, a trabalhar, deixem, deixem, deixem…deixem… e vão ver o descaminho que isto vai levar…» 

OLHAR AS CAPAS


 

Poemas Com Cinema

Antologia organizada por

Joana Matos Frias

Luís Miguel Queirós

Rosa Maria Martelo

Assírio & Alvim, Lisboa Novembro de 2010


Cinemas King (Sessão Da Meia-Noite)


Deixa passar oito minutos

entra já às escuras, segue

o foco da lâmpada na

escuridão. Observa,

se puderes, o travelling

a reflectir-se, trémulo,

em rostos desconhecidos.

Guarda o bilhete rectangular

no bolso do casaco e senta-te

na primeira fila, para que a

vista arda. Depois respira

fundo. Sabes como funciona:

a verdade (e a mentira) em

24 imagens por segundo.

 

José Mário Silva

COMO UM PAPEL...

Como um papel, não rasgues este dia,

pois só de ti cortado cortarás

a meta escuta onde só vale inteiro

o que é perfeito e um. E contraria

o vão fã de destruir atrás

o que à frente prossegue, verdadeiro

por inegado e seco. Tens cumprida

a morte sã de não rasgar a vida.

Pedro Tamen As Palavras da Tribo