Voltamos
às pedras deste Cais.
Sim, eu sei: estou a ficar velho.
Como estou velho, repito-me ou apetece-me repetir, e
volto a lembrar Mário Castrim.
Foi a grande
bússola da crítica de televisão neste nosso país.
Começou a
fazer crítica de televisão, no Diário de Lisboa, em 14 de Maio
de 1965.
Nos tempos da
ditadura, a malta encontrava-se nos cafés e quando algum chegava, a primeira
pergunta não variava muito: «Já leste o Castrim?»
Quase quarenta
anos a fazer crítica de televisão.
Em 1990,
Fernando Assis Pacheco calculou que Mário Castrim já passara 17 mil horas
frente ao televisor. Em Outubro de 2002, tempo da sua morte, as contas foram
calculadas em 70 mil horas.
A censura,
diariamente, esquartejava-lhe a prosa.
Mesmo assim,
um dia, entenderam que o homem estava a ir longe de mais e proibiram o «Canal
da Crítica»
Proveniente de
todos os quadrantes, levantou-se um vendaval de protestos.
Outra coisa
não restou às múmias ditatoriais, senão aceitarem o regresso de Mário Castrim.
Quando esse
dia chegou, Castrim abriu com um lindíssimo texto.
Foi assim:
«Regresso. Comovido, como quem regressa ao país da sua infância.
Ficou para trás a calma, o sono reencontrado, o silêncio por toda a casa. Ficou
para trás a visita de amigos, a frescura da noite, o deambular descuidado.
Ficou para trás o ser “como toda a gente”. E no entanto, este regresso, na sua
felicidade perdida, tem o sabor de uma felicidade reencontrada. Vou de porta em
porta apertando as mãos que se estendem, forte de uma grande família. Vou
crucificar os olhos no fulgor violento do televisor. Vou, pelo túnel da noite,
em perseguição das palavras úteis, ou necessárias, ou simplesmente possíveis.
Difíceis sempre, arrancadas da carne a grande profundidade da pele. Palavras
que seriam de amizade, a selar a presença vivida, revivida, de tantos rostos
desconhecidos e atentos. Palavras de quem, regressando ao frio da noite,
regressa também, a morosamente, ao país da sua infância, ao país do seu país.»