sábado, 22 de novembro de 2025

NESTE DIA


Neste Dia, que são diversos dias, pego na Conta-Corrente de Vergílio Ferreira que, ao longo dos volumes mostra uma admiração excepcional pelo poeta António Ramos Rosa.

Logo no 1º volume, página 25:

 «26 de Fevereiro - Conversa pró-prandial com o Ramos Rosa num café. Que personagem curiosa este grande poeta. Claude Roy disse dele, salvo erro, que lembrava um Quixote surrado. Enganou-se de mundo, anda aqui por se ter distraído. Porque ele nasceu para viver noutro lado onde não haja regras de trânsito, de disciplina, de subsistência. De modo que faz um esforço enorme para se acomodar. Um grande achado para ele foram as práticas do ioga ou coisa que o valha. O mundo em que circula desarranja-lhe os mecanismos interiores. E toda a sua preocupação é consertá-los. Mas ele a compor e a realidade a estragar. Quando julga que venceu, fica radiante. Dias depois volta à oficina com o psíquico esmurrado. Não chegará nunca a tirar a carta de condução no mundo. Hoje trazia outra descoberta: mastigar interminavelmente um pedaço de alimento até sentir vómitos. Isso lhe afinaria o sabor para recuperar um paladar originário. E ria. E estava feliz. Nós alimentamo-nos tão estupidamente, com um paladar tão encortiçado. Ele quer restaurar , o sabor que deve haver talvez do lado de . Encantado com a descoberta. E eu com o encantamento. Adorável poeta. Extraordinário poeta.»

No mesmo 1º volume, página 251:

«10 de Maio de 1975

A reler poemas do Ramos Rosa. Magnífico poeta. O ar, a luz, a cal, o mar, a árvore, a casa – mundo da discreta alegria da vida, da gratidão de viver. Uma expressão espantosa: «uma ave subscre(ndo) o céu inteiro».

3º volume, pág. 63

20 de Junho de 1980 

4º volume, página 413

27 de Setembro de 1983

«Telefonou o Ramos Rosa. Eu já andava para lhe telefonar, passava-me sempre. Telefonou ele. Que tal ia a vida? Perguntei.

Vergílio Ferreira, com a sua escrita, nunca me levou a outros horizontes. Inclino-me para que não seja bem pela sua escrita, antes pela parte política e isso, devo dizer, não abona a meu favor. 

Tenho os 4 volumes da Conta-Corrente. Já não comprei o 5º volume nem os restantes que Vergílio Ferreira publicou.

A Quetzal está a reeditar todos os volumes.

Acho que vou embarcar.

Navegar é preciso!

5 comentários:

Seve disse...

Sobre a recente publicação deste CONTA CORRENTE, num só volume, permito-me trancrever o e'mail que enviei ao editor:

Caro Francisco José Viegas

Nunca saio de casa sem levar comigo um livro. Mas hoje, com grande desilusão minha, verifiquei que um dos grandes "escritos" da língua portuguesa foi editado como se fôsse ser vendido para a construção civil (tijolo) em vez de o ser para quem realmente o queira ler.
Perdoe-me meu caro mas ouso perguntar: dá algum jeito levar comigo para a praia, para os transportes públicos, para ler nos momentos livres, aquele tijolo que deve pesar, sem exagero, uns 2/3 kilos.
É um "assassinato" a publicação desta pérola da literatura portuguesa num calhamaço destes, sem ponta por onde se lhe pegar, absolutamente editado para quem não gosta de ler, intransportável para quem gosta de ler.
Perdoe-me o atrevimento desta minha opinião mas não podia deixar passar em branco esta grande "asneira" editorial, porque realmente queria possuir estes diários do grande Vergílio Ferreira, apesar de já os ter lido todos (8), pela Biblioteca Municipal.

Os meus cumprimentos
António da Conceição Severino
Mostrar citação

Sammy, o paquete disse...

Tenho pouca simpatia por Francisco José Viegas.
Conheci-o, brevemente.
No dia em que o «vi» a ministro da cultura do governo do Pedro Passos Coelho entendi que não merecia algo mais da minha parte. Pior ainda quando viu na casca de banana que lhe estenderam e saiu pela direita baixíssima do governo, invocando «motivos de saúde».
Justíssimo o recado que lhe mandou pelos «calhamaços» em que enfiaram o Vergílio Ferreira.
Apesar de tudo, irei comprar … e ler. O autor merece.
A Biblioteca da Casa tem os Diários de Miguel Torga até ao volume VIII. Em 1999 as Publicações Dom Quixote publicaram os Vols, IX a XVI num só volume: 1.786 páginas. Um perfeito disparate. Com o manuseamento, as leituras, o livro começou a deformar-se.
Hélas!

Anónimo disse...

Não são oito mas sim nove! (5+4)

Seve disse...

Só quem não GOSTA de livros (nem gosta de ler) tem a lata de reduzir a obra de um grande escritor a um calhamaço de mil páginas.
-Ou será que a famigerada lei do mercado a isso obriga?--

Seve disse...

Tenho a obra completa (cada título cada livro) do Miguel Torga com uma excelente edição (livros de capa dura) do PLANETA D'AGOSTINI, editada em 2004, que na altura adquiri nos quiosques.