sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 
Há dias, apresentámos por aqui um velho recorte de um artigo, completamente cortado pela censura, que deveria ser publicado no Notícias da Amadora.

Evtuchenko foi um triste episódio  que nos aconteceu, alguém que se intitulava poeta russo mas que se verificou ser um vendedor-de-banha-da cobra. Enganou muita gente e muita dessa gente com os conhecimentos e bases suficientes para que não caíssem na esparrela.

Eu lera, na Seara Nova uma opinião sobre a sua Autobiografia, publicada no Rio de Janeiro. Falei do entusiasmo ao meu pai, que  pelos meios habituais e clandestinos, arranjou o livro.

O livro seria publicado em Portugal , pelas Publicações Dom Quixote, em 1967, com o título Autobiografia Prematura .

Maio de 1967, tempos de ditadura.

Por aqueles tempos, o cinzentismo, a muralha de silêncio, por vezes, quebrava-se e saltavam pedras para o charco.

Acontecia  um grito, uma festa.

Como é que um escritor soviético desembarca no Portugal de Salazar?

Mercê das muitas influências, nacionais e no estrangeiro, que Snu Abecassis, fundadora e proprietária das “Publicações Dom Quixote”, mantinha.

Possivelmente fez chegar a Salazar a mensagem que o homem, apesar de soviético, era inofensivo. Terá dado garantias.

O regime viu que talvez valesse a pena correr o risco. Para compor a cena, terá imposto, aconselhado, que o escritor fosse a Fátima, ocorria o 50º aniversário do milagre da fé, com a presença do papa Paulo VI. Também calhava bem uma fotografia com um cartaz turístico, outras miudezas…

Lembro-me do meu pai, com a sua costela marxista-leninista, ter torcido o nariz e acrescentado que a autobiografia de alguém com apenas 30 anos, deveria ser apenas para gozar o pagode.

Assim era!

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