Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por
todo o lado:
a palavra bosque, a
palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o
dia
enquanto sonho
acordado.
A palavra solidão
faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas
e acariciadas:
a palavra céu, a
palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de
ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a
sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente
gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das
coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa
como uma pedra.
A palavra rosa espalha
o perfume no ar.
A palavra árvore tem
folhas, ramos altos.
Podes descansar à
sombra dela.
A palavra gato espeta
as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre
as asas para voar.
A palavra coração não
pára de bater.
Ouve-se a palavra
canção.
A palavra vento levanta
os papéis no ar
e é preciso fechá-la na
arrecadação.
No fim de tudo voltam
os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda
à terra,
outra vez nascidas pela
minha mão:
a palavra estrela, a
palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado
agradece-me.
As outras, não.
A palavra adeus
despede-se.
As outras já lá vão,
belas palavras lisas
e lavadas como seixos
do rio:
a palavra ciúme, a
palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem
as queira dizer,
de mais palavras e de
novos sentidos.
Basta estenderes um
braço para apanhares
a palavra barco ou a
palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a
palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite,
trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha
o meu jantar.
A palavra brisa
refresca-me.
A palavra solidão
faz-me companhia.
Álvaro Magalhães
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