sábado, 1 de novembro de 2014

1 DE NOVEMBRO DE 1755


Quando recobraram um pouco as forças, dirigiram-se a pé para Lisboa. Restava-lhes algum dinheiro, com o qual esperavam escapar da fome depois de se terem salvo da tempestade.
Mal puseram pé na cidade, chorando a morte do seu benfeitor, sentem a terra tremer-lhes debaixo dos pés; o mar ergue-se em cachão no porto e desfaz os navios que estavam ancorados; turbilhões de chamas e de cinzas cobrem as ruas e as praças públicas; as casas desabam, os telhados caem e os alicerces dispersam-se. Trinta mil habitantes, de todos os sexos e idades, ficam esmagados sob as ruínas. O marinheiro, assobiando e praguejando, dizia:
- Aqui teremos alguma coisa a ganhar.
- Qual será a razão suficiente deste fenómeno? - dizia Pangloss.
- Isto é o fim do mundo! - exclamava Cândido.
O marinheiro corre imediatamente para o meio das ruínas, afronta a morte para encontrar dinheiro, encontra-o, rouba-o, embriaga-se e, depois de ter cozido a bebedeira, compra os favores da primeira mulher de boa vontade que lhe aparece nas ruínas das casas destruídas e no meio dos mortos e dos moribundos, dizendo-lhe:
- Meu amigo, não está certo o que fazeis. Desrespeitais a razão universal e empregais mal o vosso tempo.

Voltaire em Cândido.

Legenda: pintura de João Glama Stroberle

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