terça-feira, 18 de novembro de 2014

BOM DIA, MANEL


Se por cá andasse - e que falta que ele nos faz! - o Manuel António Pina faria hoje 69 anos.

Homem de jornais, de cafés, de crónicas, poemas, livros para putos, os seus gatos, muitas cigarradas, o Manel, mais uma vez, vai ser hoje recordado, no Porto, pelos amigos que com ele trocaram passos e voltas.

Nada melhor que deixar um poema seu;


CUIDADOS INTENSIVOS III

Vê se há mensagens
no gravador de chamadas;
rega as roseiras;
as chaves estão
na mesa do telefone;
traz o meu
caderno de apontamentos
(o de folhas
sem linhas, as linhas distraem-me).
Não digas nada
a ninguém,
o tempo, agora,
é de poucas palavras,
e de ainda menos sentido.
Embora eu, pelos vistos,
não tenha razão de queixa. 

Senhor, permite que algo permaneça,
alguma palavra ou alguma lembrança,
que alguma coisa possa ter sido
de outra maneira,
não digo a morte, nem a vida,
mas alguma coisa mais insubstancial.
Se não para que me deste os substantivos e os verbos,
o medo e a esperança,
a urze e o salgueiro,
os meus heróis e os meus livros?

Agora o meu coração
está cheio de passos
e de vozes falando baixo,
de nomes passados
lembrando-me onde
as minhas palavras não chegam
nem a minha vida
Nem provavelmente o Adalat ou o Nitromint.

Manuel António Pina em Poesia Reunida

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