sábado, 18 de fevereiro de 2023

O ACTOR COMO UM FINGIDOR

«Comecemos então, como convém, pelo básico. Um actor é um fingidor. Métodos de aquecimento à parte, ficará para sempre gravado nos anais da arte o comentário que Sir Laurence Olivier terá dirigido a Dustin Hoffman quando ambos contracenavam no filme de 1976 do inglês John Schlesinger, O Homem da Maratona.

Hoffman acabara de filmar uma cena em que tivera de simular não ter dormido nas anteriores 72 horas. Olivier pergunta-lhe educadamente como correu e o co-protagonista de O Cowboy da Meia-Noite (também realizado por Schlesinger e no qual Hoffman interpretara Ratso, maltrapilho e vigarista aleijado que conseguia convencer-nos de que cheirava mal, apesar do cinema não ter cheiro…) responde-lhe que na realidade não dormira durante três dias, de modo a transmitir verosimilhança à personagem. Do alto da sua experiência (shakespeariana), Olivier sugere-lhe com delicadeza: “My dear boy, porque é que não tenta apenas representar?”.

Indo agora um pouco mais longe e parafraseando o poema antigo de Mário Cesariny — Raio de Luz — que começa com a rima: “Burgueses somos nós todos / ou ainda menos. / Burgueses somos nós todos / desde pequenos”, acrescentaria eu agora que actores somos nós todos e sem dúvida desde pequenos.

Fingimos e mentimos. Voltando a Sir Laurence Olivier só para poder assinar por baixo: “O que é representar senão mentir e o que é mentir bem senão mentir de modo convincente?”».

Ana Cristina Leonardo no Público de 27 de Janeiro

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