domingo, 26 de fevereiro de 2023

CONVERSANDO


 Porque hoje é domingo.

E o que faz ele ao domingo?

Antes de o obrigarem a poupanças energéticas, o almoço de domingo era sempre um assado no forno.

Agora entretém-se  a ler a crónica  de Pedro Garcia no Fugas do Público.

A de ontem metia futebol e vinhos de Colares.

Durante muitos anos passou fins de semana e férias em Almoçageme.

O pai normalmente, ao lanche, matava, no Café do João, uma garrafinha de Colares branco com uma torrada aparada e mais mais para o final da garrafa, chegava um sandes de presunto em pão saloio.

O João nem sempre arranjava Colares e o pai ficava-se com um honesto Beira-Mar da velha António Bernardino Chitas.

A Biblioteca da Casa tem os livros do Eça bem como toda uma série de livros sobre o autor e em que se destacam Livros e Roteiros sobre os comeres e os beberes que abundam na sua obra, todos eles da autoria de Dario Castro Alves, um brasileiro que se encantou com a obra de Eça de Queiroz.

 Estes livros são um divertimento, ainda possíveis de serem encontrados nas feiras livrescas de ocasião, que se fazem em alguns bairros de Lisboa, também em  alfarrabistas.

Esses livros são 

Era Porto e Entardecia

Roteiro de Os Maias de Eça de Queiroz e de Todas as Comidas e Bebidas no Romance.

Era Tormes e Amanhecia 1º Volume2º Volume

 Mas vamos então ao final de crónica que Pedro Garcias escreveu no Fugas do Público:

«Quando chegámos aos tintos, para acompanhar um cozido, desiludimo-nos logo com um Dão pelo qual tínhamos muito afecto e a seguir com o mesmo Colares de 1980, que estava tão defeituoso como os que tínhamos bebido no Chiado. E foi aí que o meu amigo lembrou Eça de Queirós, julgando ser este pouco amigo dos vinhos de Colares e, pelos vistos, com razão. Para o comprovar, leu um excerto de O Mandarim, na voz do personagem Teodoro:

«Ah!, que dia! Jantei num gabinete do Hotel Central, solitário e egoísta, com a mesa alastrada de Bordéus, Borgonha, Champagne, Reno, licores de todas as comunidades religiosas - como para matar uma sede de trinta anos! Mas só me fartei de Colares. Depois, cambaleando, arrastei-me para o lupanar! Que noite!».

Eu e outro amigo comensal, benfiquista tão antiportista que é incapaz de pronunciar o nome do FC Porto, franzimos o sobrolho. Ambos percebêramos na descrição um elogio, não uma crítica aos Colares. Num exercício hermenêutico, lemos e relemos aquela passagem e a verdade é que, com um pouco de favor, a interpretação pode dar para os dois lados. Certamente que, ao escrever “mas só me fartei de Colares”, Eça queria dizer que, de entre tantos vinhos bons, só se tinha saciado com Colares, ao ponto de ficar tão radiante que foi acabar a noite a um lupanar (bordel). Fartar tinha ali o significado de saciar. Morra Marta, morra farta! Mas ao terminar a frase sem um ponto de exclamação, recurso que usara antes e depois daquela frase, também deixava no ar a possibilidade de só se ter fartado, no sentido de fastio, com os Colares - daí ter ido afogar as mágoas em colo feminino. Um ponto de exclamação acentuaria o sentido de agrado e acabaria com as dúvidas.

A tese do meu amigo sportinguista podia ganhar força nesta passagem de O Primo Basílio: «Ele teve um sorriso infeliz. - Cear! Se se podia chamar cear ir ao Grémio rilhar um bife córneo e tragar um Colares peçonhento!». Mas, se não bastassem as muitas garrafas de Colares que Eça de Queirós bebeu ao longo da vida em borgas com os amigos, há um trechinho n' Os Maias que equivale a uma verdadeira declaração de amor aos famosos e cada vez mais escassos vinhos de areia. Numa carta interesseira ao tio Guimarães, o rico e gordo Dâmaso Salcede escreve: “O meu querido tio sabe como eu gosto de si, que até estava o ano passado com tenção, se soubesse a sua morada em Paris, de lhe mandar meia pipa de vinho de Colares”.

Meia pipa é muito vinho. Dava para o homem se fartar. Julgo que o meu querido amigo sportinguista andou durante muito tempo enganado com os Colares de O Mandarim

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