quinta-feira, 12 de junho de 2025

ANGELA DAVIS

Não vim aqui para te dizer que és bela,

creio que sim, que és bela

mas não se trata disso.

É que eles querem que tu estejas morta

Junto às caveiras de Jackson e de Lumumba.

 

E Angela, nós

precisamos do teu sorriso.

Vamos substituir os muros que o ódio construiu

por claros muros de ar,

e o tecto da tua angústia

por um tecto de nuvens e de pássaros,

e o guarda que te esconde

por um arcanjo com a sua espada.

 

Como se enganam os teus verdugos! És feita

de um material ardente e áspero,

de ímpeto inoxidável,

apto a permanecer através de sóis e chuvas,

de ventos e de luas,

sem tecto nem resguardo.

Pertences

A essa classe de sonhos em que o tempo

Sempre se fundiu as suas estátuas

e escreveu as suas canções.

 

Angela, não estou ante o teu nome

para te falar de amor como um adolescente,

nem para desejar-te como um sátiro.

Ah, não se trata disso.

O que eu digo é que és forte e maleável

para poderes saltares ao pescoço (e fracturá-lo)

dqueles que quiseram e ainda querem e hão-de querer sempre

ver-te arder viva atada ao sul do teu país,

atada a um poste calcinado,

atada a um carvalho sem folhagem,

atada a uma cruz ardendo vivo atada ao Sul

 

O inimigo é torpe.

Quer calar a tua voz com a sua voz,

mas todos nós sabemos

que a tua voz é a única que ressoa,

única que se acende

alta na noite como uma coluna fulminante,

um clarão fixo,

um vertical incêndio abrasador,

um repetido relâmpago

a cuja luz se destacam

negros de ardentes unhas,

povos enfraquecidos e coléricos,

 

Sob o sol real que eu habito

junto dos milicianos decididos,

na margem íngreme deste terrível e amigável mar,

vendo furiosas ondas a quebrarem-se nos escolhos,

grito e faço a minha voz viajar sobre os ombros

do grande vento que passa,

vendo, pai nosso caribeano.

 

Digo o teu nome, Angela, vocifero. Junto as mãos

não em rogos, rezas, súplicas, preces

para que os teus carcereiros te perdoem,

mas num acto de aplauso, mão na mão,

duro e forte, muito forte,

mão na mão para que saibas que eu sou teu.


Nicolás Guillén

Tradução de António Ramos Rosa

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