Às 02,42
horas começou o Verão.
O Ruy Belo adorava o Verão, eu nem por isso.
Fico-me com as restantes estações do ano e
fico bem.
O Cesare
Pavese escreveu que «a gente sente-se
não sei como quando sai e vê as mulheres com vestidos de Verão.»
Seguindo o
calendário, dir-se-á que a Primavera acabou ontem.
Por um Março
de 2019, Manuel S. Fonseca saudava assim a chegada da Primavera:
«A Primavera é como a primeira luz que
rompe a escuridão da sala de cinema. Enche-nos da pior das volúpias, a volúpia
infantil. Às 11 da manhã já o Chiado, já a Rua de Santa Catarina lavam os olhos
nas nuas e frescas pernas das raparigas, nos decotes que deixam fugir a redonda
carne em direcção ao sol. É Primavera e decoto-me eu também: segue-se a cândida
exposição das coisas de que, diletante, gosto muito e sem vergonha.
Gosto:
Da primeira saia que o cinema levantou
para, mostrando a perna, parar um carro e conseguir uma boleia. Era a perna de
Claudette Colbert em “It Happened One Night”.
Do teu decote.
Da dúbia adolescência da perna de Evvie,
entalada entre o desejo de um branco e o desejo de um negro, em “La Joven”, o
filme americano de Luis Buñuel.
De acácias e jacarandás, do cheiro do
jasmim finalmente em flor.
Do fumo de uma sórdida esquadra de
polícia de “Basic Instinct”, em que as cruzadas e descruzadas pernas de Sharon
Stone são o pêndulo que nos troca os olhos.
De imaginar a espavorida fuga dos
inocentes anjinhos nos momentos de volúpia de Deus.
Da alva pureza dos shorts de Jean Seberg
em “Bonjour Tristesse” e da indizível convulsão que, querendo desabrochar,
neles se esconde.
De um dry martini ao fim de tarde, no
Shutters on the Beach, em Santa Monica.
Da miniatura de um Simca vermelho
descapotável com que Curd Jürgens faz Brigitte Bardot içar do chão o simétrico
e irretocável rabo que dourava ao sol.
De golos de bandeira ao domingo, numa
tarde de sol.
Do vestido às riscas de Anna Karina a
fazer pendant com os estofos de couro vermelhos e creme do descapotável em que
foge com Pierrot. Ele, louco. Ela com a boca cheia de liberdade e de Rimbaud.
De risos e beijos.
Dos olhares de quatro mulheres para o
tronco nu de William Holden que, em “Picnic”, de Joshua Logan, queima o lixo no
quintal, “naked as an Indian”. Olhares que mordem, olhares de mulheres bonitas
cansadas de serem apenas olhadas, que foi o que, quando vi o filme, ouvi Kim
Novak dizer.
Sim, gosto das pernas das raparigas
quando chega a Primavera.»

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