terça-feira, 3 de junho de 2025

CRONICANDO POR AÍ

«As pequenas lojas de bairro sempre me atraíram. Na minha rua existia até há pouco tempo uma retrosaria das antigas. Gostava de entrar, de falar com a dona, uma senhora já de alguma idade, muito simpática, sempre disposta a ajudar os clientes com sugestões. Muitas vezes entrava só para a cumprimentar, para ver as prateleiras da loja, as linhas, as lãs, os botões, os fechos, os rolos de tecido, a fascinante mistura de cores e materiais, sempre cuidadosamente arrumados nas prateleiras antigas, de madeira, bem conservadas, que existiam por toda a loja em torno de um belo balcão, também em madeira. Uma vez perguntei-lhe se a podia fotografar e ela, delicadamente, pediu-me para não o fazer mas disse-me que podia fotografar a loja à vontade desde que ela não aparecesse. Foi num desses dias que fiz esta fotografia. Agora, há umas semanas, a loja encerrou, tem a porta fechada e as montras tapadas. Por alguma razão a senhora deixou de ser uma companhia na rua. Não sei o que acontecerá ao interior daquela bela loja, nem como se sentem os vizinhos que ali paravam para dois dedos de conversa com a dona, sempre com um sorridente bom dia a quem entrava.. Resta-me ficar a falar com os meus botões, estes que guardei na memória e que aqui vos deixo com as suas cores e feitios. Termino, para não dizerem que não falo da situação política, com uma citação roubada à coluna de Miguel Esteves Cardoso no Público: “Não há planta tão trepadora como um gato. A planta trepa para poder crescer, para ter onde se agarrar. Mas o gato trepa por trepar (...) Também há políticos assim: sobem aos mais altos postos, gostam durante um minuto, mas depois não sabem o que fazer lá em cima.”»

Manuel Falcão em Esquina do Rio

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