ao António Lobo Antunes
Tive um encontro de Verão com o senhor
José Fontinhas.
Eu, o Pina, o Lage, tantos que têm vazio
o coração pela
falta de novos versos. Foi pelas seis da
tarde, a água do
Douro continuava em luta contra as
ondas, na foz. As
palmeiras encostadas ao vento e, mais
uma vez, o auditório
pequeno para tanta saudade. Tive um
encontro, chamo
José Fontinhas ao telefone, por favor,
gritava o empregado
no Piolho há quarenta anos, contava o
Pina. Ele, reverente
ao Poeta pregava-lhe a partida mais
inominável – a da
identidade. O dito José sentado na
esplanada, contou,
chamo José Fontinhas ao telefone, por
favor, o Pina
na cabine espreitando o olhar impávido,
o sorriso
invertido de ex-José, nosso Eugénio. A
identidade é
uma coisa nossa, constituída com anos e
anos de visões
ao espelho. O senhor José tinha morrido
quando matou
o pai, o senhor Eugénio tinha nascido do
amor à mãe. Mas
faltou tanta gente aos ciprestes do
cemitério. Pensei
que as vendedoras do Bolhão deixariam os
verdes, que os
rapazes da foz que ele tanto amava se
chegariam em tronco
nu de mais um salto desde o cais da
Ribeira. Que as borboletas
viriam em enxames de cor pousar na urna
e esconder
o castanho da madeira nova. As árvores
abanando as nuvens
junto à foz e o Pina a contar da morte
lenta do nosso poeta.
Aponto uns versos pedindo ao rio que
desista de afrontar
o mar. E sigo dizendo sílabas ao som das
frases do senhor
José, lendo, quarenta anos depois, os
poemas que uma nova
identidade criou. Encontrei no Verão o
senhor Fontinhas.
Hei-de ir a Lisboa bater à porta do
senhor Antunes.
Jorge Reis-Sá
Sem comentários:
Enviar um comentário