O TEJO GLAUCO
A FECHAR AS VISTAS
«Gosto de melros, os espertotes,
ladinos, com aquele jeito preto de recalcitrar de lado. Há poucos pelas relvas
de Lisboa, não sei se da concorrência de pardais fura-vidas e pombalhões
abafa-espaços, se duma vontade de saltitar ao de leve por outras bandas.
Ainda assim, aparecem uns tantos na feira do livro, a lavrar no parque.
Negrejam aos picos no verde, dão-se a uns desenfados de voejo breve, armados em
superiores. Bonito bicho, de muita inspiração literária. Ele é o Jean-Baptiste
Clément, ele é o Junqueiro…
Não há melros num espaço fechado, num armazém tristonho e esquadrinhado de
encontrões sem sol. Todos os anos aquele para-baixo e para-cima, os encontros
de fulano e cicrano, as capas que amadurecem de ano para ano, a luz explosiva
de Lisboa, os revérberos, o Marquês que medita, as frondes da avenida, o Tejo
glauco a fechar as vistas.
Tenho estado em salões, por essa Europa. Salões, salas grandes, com o seu quê
de fábrica e hangar. Em parte nenhuma há esta cor, esta brisa, este céu, esta
extensão clara, esta alegria. Mude-se o que houver a mudar. O espaço, deixar
estar».
Mário de
Carvalho e, “Os
Livros no Parque”, Lisboa Maio 2004
(Texto publicado
em 12 de Maio de 2011.)

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