quarta-feira, 21 de abril de 2021

ALGUNS DIAS ANTES DE 25


21 de Abril de 1974

Calhou a um domingo.

 Pela última vez estiveram todos juntos à mesa.

O Diário de Notícias dava conta que, no Palácio de Belém, o chefe de estado ofereceu um almoço íntimo em que estiveram presentes, para além da veneranda figura, Marcelo Caetano, os presidentes da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça, os ministros da Defesa Nacional, da Justiça,, das Finamças, o procurador geral da República, os conselheiros de estado dr. Albino Reis, prof. Costa Leite (Lumbrales), dr. Luís Supico Pinto, o governador civil de Lisboa, o deputado contra almirante Henrique Tenreiro.

Não se sabem razões para a realização do festim.

O jornal O Século dá conta do vincado cunho de cordialidade, mas ficámos sem saber do menú do almoço das importantes figuras do regime.

1.

Dinis de Almeida no seu livro Origens e Evolução do Movimento dos Capitães, regista que a redacção do programa do Movimento havia-se entretanto processado a partir de um documento inicialmente discutido entre Almada Contreiras, Martins Guerreiro e Melo Antunes.

Nessa redacção intervêm:

Pela Armada: Crespo, Contreiras, Lauret, Simões Teles, Vidal Pinho.

Pelo Exército: Melo Antunes, Costa Brás, Charais, Vítor Alves, José Maria Azevedo.

Pela Força Aérea, praticamente fora do assunto, só se faz sentir a sua opinião já no final, em 24 de Abril de 1974.

A versão definitiva do programa, passada à máquina directamente pelo próprio Hugo dos Santos, focou estabelecida em casa de Vítor Crespo, no dia 21 de Abril de 1974, domingo (epílogo das muitas reuniões efectuadas sobre o programa).

2.

Na praia da Aguda, em Gaia, e por iniciativa do jornal Opinião, realizou-se um jantar de homenagem  a Óscar Lopes.. A censura interveio com uma série de cortes pelo que as notícias publicadas, pouco ou nada referem. As fotografias e as legendas da homenagem teriam que ser enviadas ao Dr. Ornelas.

3.

Em Abril de 1974 Portugal era um país onde coexistiam a maior miséria e a riqueza mais faustosa. Com oito milhões de habitantes, em cada mil crianças nascidas 56 morriam antes de completarem um ano de idade e em cada mil habitantes 15 morriam de tuberculose pulmonar. Apenas 40 por cento da população tinha água em casa e 75 por cento não dispunha de esgotos. Em cada 100 portugueses 37 eram analfabetos e em cada 100 alunos que frequentavam o ensino primário 30 não o completavam e apenas 2 por cento vinham a obter uma graduação universitária.

E havia uma guerra em África. 

Milhares e milhares de mortos, feridos, estropiados.

 A Pátria não se discute, defende-se!

Poema Uma Vez Eu,… de Jorge de Sena publicado em 40 Anos de Servidão:

Uma vez eu, chegando a Portugal
após muitos anos de ausência minha e alguns
de guerras africanas, encontrei uma vizinha
muito estimável que era casada com
um operário categorizado e antigo republicano.
O filho dela estava nas Africas, arriscando
a vida dele e a dos outros em defesa
do património da pátria de alguns (muito mais
que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).
Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.
E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:
- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!

4


Hoje, olhamos a capa deste EP e sorrimos quando no topo lemos: Dr. José Afonso, e que as letras e as música também têm a autoria designada como «Dr.» .

Este velho disco rodou milhares de voltas por causa dos Vampiros: senhores à força mandadores sem lei, eles comem tudo e não deixam nada.

Mas diga-se que as outras canções do EP são muito bonitas, principalmente Menino do Bairro Negro.


Menino pobre o teu lar

Queira ou não queira o papão

Há-de um dia cantar

Esta canção

Inevitavelmente, José Afonso era acompanhado à viola por Rui Pato.

Legenda:  primeira página do Programa do MFA, tirada de Origens e Evolução do Movimento de Capitães de Dinis de Almeida.

Sem comentários: